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ENTREVISTA EXCLUSIVA - PLANEJAR É A PALAVRA CHAVE PARA GARANTIR EFICÁCIA NA SUCESSÃO FAMILIAR

Falar sobre sucessão familiar não é tarefa simples, aplicar na vida real muito menos. Mas é um tema necessário a ser discutido no mundo dos negócios. No agronegócio, principalmente, temos visto modelos de sucessão que deram certo e outras que não, o que muitas vezes resulta em perdas financeiras e desgastes emocionais para a família.

Para dar início à sucessão familiar primeiro é preciso desmistificar o tema e depois dar início ao planejamento. Para falar sobre este assunto, o portal Megacana entrevistou a especialista Ana Rita Bittencourt, da UNE Consultoria.

Megacana  - Como deve ser feito um planejamento sucessório? Como dar o pontapé inicial neste processo?

Ana - Sucessão é um processo complexo e são muitas as formas que desencadeiam e despertam a urgência deste assunto para os empresários. Se for pensar em como deve ser feito, na nossa experiência, é preciso ter a participação de todos os impactados neste planejamento. Os empresários querem resolver ou escolher o sucessor ou fazer um instrumento, como holding, ou doação, achando que com isso o planejamento estaria resolvido.

Mas o processo de sucessão deve ser discutido e consensado entre todos, são muitas as vontades que estão em jogo na mesa, tanto dos sucedidos quanto dos sucessores.

Tem que incluir tudo mundo e discutir. Consensar é o ponto chave. É o mais difícil, mas é o ponto que faz dar certo.

Megacana  - Quando deve se iniciar a sucessão familiar na empresa?

Ana  - A sucessão acontece desde sempre e para sempre, a gente fala que nunca acaba. E quanto antes pensar em sucessão é melhor. E se formos analisar, é normal o empresário levar os filhos para fazenda e enquanto está falando com os funcionários, os filhos estão por lá e começam a ter um “jeitão” de fazer negócios, mesmo que de forma informal. Mas chega um momento em que é preciso pensar formalmente. Mas e agora? Como vou fazer? Meus filhos estão indo estudar fora. Então é comum ver fazendeiros que vão investindo o que tem e depois começam a se questionar. Será que meus filhos vão voltar? Desta forma orientamos que quanto antes o planejamento acontecer é melhor.

Mas é importante que os filhos sigam seus próprios caminhos. Eles não podem sentir que o negocio familiar é um peso, que é uma coisa ruim a receber.  É importante também que todos saibam as responsabilidades envolvidas e como vão lidar com esta situação.

Até o planejamento de colocar um administrador, ou se os filhos serão coproprietários, se vão realmente ser sócios naquele negócio e ter administração operacional – tudo isso é preciso discutir.

Se isso não for planejado é comum ter uma separação de terras, perda de escala, uma perda da otimização de contas e com isso o negócio pode se perder. Então quanto antes começar a se discutir é melhor.

Megacana - Como identificar se os filhos estão preparados para este processo?

Ana - O filho que estiver preparado para o mercado, ele vai estar preparado para o negócio da família. Então é esse é um ponto bem importante que frisamos para os empresários. Não existe um filho que está preparado para trabalhar para seu negócio. Ele tem que estar preparado para trabalhar para o mercado, para a vida.

Em algum momento essa coisas vão se casar, ou pode ser que não. Pode ser que o negócio nunca tenha um perfil que combine com a cara de um determinado sucessor. Mesmo que aquele sucessor seja bem preparado e competente. Então o preparo do sucessor tem que ser para o mercado e aí naturalmente vai estar capacitado.

Megacana - Então o que é importante no preparo do sucessor?

Ana - É importante que tenha experiência fora da empresa família, ou seja, que tenha outras experiências que não apenas com os pais, tios. Ele tem que ter esse referencial, ter um feadback honesto, de não ser enxergado como filho do dono. É importante que esse jovem esteja mais exposto a situações onde ele não seja o herdeiro, o filho, o sucessor.

Esse tipo de experiência vai proporcionar um preparo para que ele eventualmente esteja na empresa da família. Além do preparo individual, é preciso que ele tenha alinhamento com aqueles que são seus sócios. Veja:

Um proprietário de fazenda em primeira geração não tem sócios – ele é o dono, proprietário e quando passa para a segunda geração, esses filhos serão sócios daquele negócio. Independente de serem aptos para trabalhar naquele negócio, eles vão precisar de visão.

É mais um preparo para serem proprietários de terra do que gestores. Assim eles terão conhecimento suficiente para saber escolher, contratar, ou indicar um irmão que está mais bem preparado.

Megacana – Mas tem como oferecer a um possível sucessor este preparo?

Ana - Parte do preparo é feita no mercado e parte na própria família.

Esse momento em que o herdeiro assume os negócios não é claro, não é um evento específico. Sucessão não é um dia. É um processo longo. Um processo de sucessão bem feito vem muito da convivência. Então um jovenzinho vai, começa a estudar fora, depois vai trabalhar no mercado em outras empresas e aí com 25 ou 26, por exemplo, ele vem trabalhar com o pai.

Vamos pensar em um jovem de 30 e seu pai de 55. Um empresário dessa idade tem muita lenha para queimar, tem muito gás ainda.

Vamos supor que esse empresário fique até os 75 anos, o que é normal hoje. Veja, estamos falando de 20 anos. E é justamente esse processo de convivência – dos dois trabalhando de forma conjunta, que é o processo de sucessão.

É muito mais conviver, saber administrar os conflitos e diferenças de visão, pois estamos falando de gerações diferentes. Ou seja, um filho chega querendo acelerar, já que aprende várias coisas na faculdade. Quer trocar o contador antigo, quer informatizar tudo. Ainda mais no ramo do agro, que tem tido uma modernização enorme.

Então, essa nova geração chega acelerando, o que é bom para o negócio, mas também é bom ter sabedoria, ponderação e experiência dos mais velhos. É esse mix e equilíbrio que dá um bom caldo e dá sucesso na sucessão.

Não há o momento exato de o empresário saber. O quão mais harmônico isso for e mais sutil, é melhor. E como uma corrida de revezamento – passar o bastão é uma boa analogia.

Mas na corrida, para aquele momento acontecer, há todo um preparo, todo um trabalho. O primeiro tem um arranque, está correndo, mas o segundo também, pois ele não vai pegar o bastão parado, estarão correndo ao mesmo tempo. Vão fazer a entrega do bastão na hora que estiverem na mesma velocidade. O momento da passagem é quase imperceptível, ou seja, a gente quase não vê quando um solta e o outro pega. Se não for feito de uma forma organizada, planejada, o bastão pode cair, ou um não alcançar o outro e talvez tenham que desacelerar. E nisso, pode ser que a concorrência ultrapasse. Então o momento é imperceptível, mas vem com um bom preparo.

Megacana - Como tornar a transição sucessória mais tranquila para a família e para a empresa?

Ana - Essa pergunta nos leva a uma visão mais ampla sobre sucessão, pois não é apenas sobre os aspectos de quem vai tocar o dia a dia do negócio. Além disso, existe uma sucessão que envolve todos os familiares e o arredor, pessoas que podem ser sócias no futuro, ou até quem a gente não imaginaria. O filho de um empresário que é casado, a esposa tem um filho de outro casamento. Todos esses envolvidos influenciam e podem impactar a sucessão e podem também se tornar sócios.

Estamos falando de maridos, esposas, enteados, filhos, sobrinhos, pessoas que trabalham eventualmente no negócio, ou não. Se um fazendeiro tem três filhos e apenas um deles se interessa pelo negócio – é o que chamamos de sucessor. Futuramente, quando este proprietário não estiver mais presente, patrimonialmente, teremos três sócios, não é isso?

Aí temos aquele que se interessou pelo negócio, mas em termos de propriedade ele terá 33% e temos outros 66% que precisam não só se envolver, como também precisam decidir certas coisas.

Aquela decisão que o fundador tomava de bate pronto, sem ter que consultar alguém não é mais possível neste cenário. Se comprasse uma terra e não desse certo, era problema dele, não tinha que responder a ninguém. Quando se têm sócios não é bem assim. Então se o sucessor tomas decisões erradas, vender ou comprar  na hora errada, e estas decisões começam a afetar aqueles que não são gestores, mas são proprietários, a situação complica.

Megacana  - Então como lidar com a família toda na sucessão?

Ana - É por isso que gostamos de um termo chamado de governança, que é dirigir, dar um rumo, governar o negócio. A governança de um proprietário é ele mesmo – ele decide e vai lá e faz. Para um negócio onde se tem vários sócios, então é necessário organizar este processo sucessório, e esta organização se chama governança.

Ás vezes pode-se fazer uma reunião de família, não precisa denominar, mas pode usar o conceito de governança ou conselho para todos os negócios que têm sócios. É preciso mostrar como está o negócio e apresentar os resultados. O que é saudável para todos.

Uma governança de uma pessoa é simples. Uma governança de banco, por exemplo, envolvem muitas pessoas, é mais elaborada. Agora, os negócios familiares também vão evoluindo na governança. Uma família que se reúne para falar de negócios é uma governança. O fato de fazer uma reunião de família para discutir os negócios, aprofunda as informações – faturamento, endividamento e rentabilidade.

Meganaca – Então estabelecer uma governança na família faz parte do processo sucessório?

Ana - No primeiro momento o papel da família é informativo, conhecer e aproximar. Ate porque pode acontecer de a família nem conhecer o negócio. Parece estranho, mas não é, conforme as gerações vão passando.

Com o passar do tempo alguns vão apreendendo, amadurecendo, formando opinião e massa crítica. Então a sucessão é um processo educativo e de amadurecimento como uma família empresária.

A sucessão é coletiva, não é a gente escolher – um lá da turma – ele pode ser bom, mas se a família não for esclarecida, isso tem perenidade. Dura um pouco, mas não tem futuro de crescimento, próspero.

Todos os negócios que prosperam são centenários. Criaram um sistema de família empresária, como coletivo. E isso vale desde o pequenininho até o grande empresário.

Megacana - Quais são as dificuldades mais comuns encontradas nos processos sucessórios?

Ana - A primeira é a dificuldade mais urgente – 70% dos negócios não consegue passar de uma geração para outra. Da de segunda geração para a terceira apenas 9%, e para a quarta 1% chegam ao final.  O processo de sucessão vai chegar mais cedo ou mais tarde. Mas os processos são diferentes. Agora, sabemos que algumas coisas vão acontecer. Por exemplo, a gente continua tendo um alto índice de mortalidade no processo de sucessão.

E aí voltamos na falta de planejamento. Empresários estão mais é querendo produzir, mas também é uma questão muito chata de se falar. Chamamos isso de “as forças inconscientes da sucessão”. Mas o que é que é isso?

Eu quero falar sobre sucessão? O que é sucessão? Eu quero falar sobre ausência, morte, competência. Será que meus filhos estão preparados, são competentes? Ou os filhos também tem que falar com os pais sobre o assunto? Parece que estou querendo algo que não é meu e dele?

Então o ponto mais sensível a enfrentar é falar sobre sucessão. Ainda que seja óbvio e que vai acontecer eu falo sempre: sucessão é fazer o exercício da ausência e sempre falar: E se? E se dois filhos assumirem? E se cada filho cuidar da sua fazenda e a gente separar tudo? E se a gente mantiver tudo junto e tiver que ficar discutindo todos os dias. E se o pai não estiver mais presente e vier a falecer? E se os filhos vierem a falecer, ou o que estava sendo preparado? Então, é a gente fazer o exercício da ausência.

Realmente é uma sensibilização e a gente percebe que há um gatilho, ou seja, alguém percebe a necessidade por algum motivo.

Chamamos isso de incidente crítico. Às vezes é um amigo que teve um acidente, uma doença na família, às vezes é algo com o negócio.  É preciso entender que planejar não significa executar – pensar como as coisas vão ser, não significa que vão ser daquela forma, imediatamente.

 

Megacana - Para minimizar as dificuldades, quais as recomendações que você faz?

Ana - Quando começar a pensar a sucessão, algumas regras precisam estar definidas: Como será o jogo no momento em que a gente tiver uma nova geração no comando dos negócios? Essas regras a gente documenta - deixa registrado no acordo societário. Muitos empresários já ouviram falar nisso. Alguns até perguntam, pois se confundem com o contrato social.

O acordo é uma forma de pensarmos como a sucessão vai acontecer, quais as regras do jogo para os filhos e isso tem que estar documentado em algum lugar. Este documento é um acordo entre um grupo de pessoas. Não é um documento que a gente busca na internet e vale para todas as famílias. Mas é importante que a família siga os combinados que estão no acordo.

Por isso não é um contrato social. É o que família concensou. Então uma dica boa  é a de que todas as famílias deveriam ter um acordo societário. Que vale para a atual e para próxima geração. Por exemplo – os filhos que vierem trabalhar na empresa serão remunerados? Como serão remunerados? Ele pode usar os equipamentos disponíveis? Vamos supor que trabalhe com a família, mas tenha terras particulares. Ele pode fazer compras conjuntas? Ele pode usar os equipamentos, maquinários da família?

São pequenos detalhes que no dia a dia da empresa familiar vão se embolando e vão virando uma confusão. E na medida em que certas regras estão combinadas e documentadas, vira um campo com regras, onde todos sabem o que estão fazendo. O que faz com que conflitos diminuam e então o processo seja mais tranquilo.

Então é importante que algumas regras estejam definidas e são importantes. Qual o relacionamento da família com o próprio negócio? O relacionamento dos negócios particulares das famílias com o negócio? Se quero comprar ou vender a participação?

No acordo alguns itens são essenciais que estejam pré-combinados, para que a família tenha harmonia e consigam passar pelo processo de sucessão.

Assessoria de Imprensa Megacana

* Ana Rita Bittencourt, é especialista em Sucessão Familiar, da UNE Consultoria.

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