Ex-ministro da Agricultura Roberto Rodrigues tenta aproximar usinas e governo.
Há cerca de dois meses à frente da presidência do conselho deliberativo da Unica, entidade que representa uma fatia majoritária da produção de açúcar e etanol do país, o ex-ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, reconhece que sua reputação como liderança do agronegócio já ajudou.
"As discussões com a área técnica do governo federal já vinham sendo conduzidas de forma muito competente pela Beth [Farina, presidente-executiva da Unica], mas havia algumas resistências no governo. Acredito que o Mercadante [Aloizio Mercadante, chefe da Casa Civil] \'azeitou\' essa relação", diz.
Em entrevista ao Valor no escritório na Fundação Getúlio Vargas, em São Paulo, onde coordena o Centro de Agronegócio da instituição, Rodrigues lembra que um dia depois de assumir o conselho da Unica, ligou para o titular da Casa Civil para agendar uma conversa.
"No dia seguinte estava em Brasília em reunião com o Mercadante. Fiz críticas ao governo. Não dá para entender como conseguiram destruir um setor [o sucroalcooleiro] e a Petrobras em um tiro só. Me sinto mal, pois é um governo [do PT] do qual eu participei", afirma Rodrigues, que foi ministro da Agricultura na gestão Lula.
Ele acredita que o atual governo deve tomar alguma posição para mudar o cenário perverso em que se encontra o etanol, de custos altos e preços limitados à cotação da gasolina.
"Este ano tem eleição, o que leva à revisão dos próprios procedimentos do presidente da República", afirma. O objetivo pode até não ser beneficiar o etanol, mas deve gerar esse efeito indireto.
"A presidente Dilma ama muito mais a Petrobras do que as usinas de etanol, e a estatal não vai aguentar muito mais tempo desse jeito [com defasagem da gasolina em relação às cotações internacionais do petróleo]", afirma.
Questionado se um novo governo seria mais benéfico para as usinas, Rodrigues reconhece que os dois candidatos (Eduardo Campos e Aécio Neves) estão defendendo "vigorosamente a agroenergia". "Mas vai saber? O discurso é muito melhor do que o do atual governo, não obstante a posição do Mercadante estar sendo de maior proatividade".
Mas Rodrigues não tem dúvidas de que se, em vez de Dilma, seu antecessor estivesse na presidência, o cenário para o biocombustível teria sido diferente. "O Lula é uma figura interessante. Ele capta as coisas. Intui os processos rapidamente. Ele percebeu o papel global que o Brasil exerceria com a agroenergia e, por isso, apoiou muito o setor no seu governo", diz o ex-ministro.
Ele não acredita que Dilma "tenha raiva" do setor, como muitos apostam. Talvez "implicância com algumas pessoas do setor". Mas o que determinou mesmo a escolha da presidente, diz Rodrigues, foi a decisão de combater a inflação por meio do controle do preço dos combustíveis. Uma série de demandas das usinas caminha, sem solução, desde o primeiro ano do governo Dilma, há quase quatro anos.
Muitas delas incompatíveis com a atual política do Planalto de controlar o dragão da inflação. A indústria de etanol quer a volta da Cide (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico) na gasolina - o tributo foi retirado há dois anos, para amortizar o aumento do combustível fóssil na refinaria. Quer ainda o fim do controle de preços de combustíveis no país e, o mais elementar, a definição do papel do etanol e da eletricidade de biomassa na matriz energética.
Mais recentemente, tem-se falado sobre a possibilidade de elevar o percentual de mistura do anidro na gasolina, hoje em 25%. A demanda vem sendo considerada factível, pois num único tiro, aumentaria a demanda por etanol e aliviaria o caixa da Petrobras, que precisaria importar menos gasolina - operação que a estatal realiza com prejuízo. "Mas essa história não terá impacto este ano. Estudos ainda estão sendo feitos. Além disso, a seca está reduzindo a produção da cana neste ciclo".
(Fonte: Jornal Valor Econômico 30/07/14)