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MP PEGA DE SURPRESA O MERCADO DE COMBUSTÍVEIS

A edição da Medida Provisória 1.069/21, que flexibiliza a fidelidade à bandeira nos postos de gasolina e permite a venda direta de etanol dos produtores para os postos de combustíveis, foi recebida com surpresa, críticas e ressalvas por representantes do setor. Entre os principais pontos de questionamento estão a efetividade da MP em assegurar o objetivo final do governo, que é a redução de preços nas bombas, a possibilidade de judicialização em um mercado organizado e os riscos de aumento da sonegação.

A publicação do decreto - o governo editou ao mesmo tempo o decreto 10.792, que regulamenta a legislação - não era esperada pelo mercado, já que uma medida provisória de agosto previa que a Agência Nacional do Petróleo (ANP) teria 90 dias para discutir o assunto e regulamentar o tema.

Valéria Lima, diretora de downstream do Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP), afirmou que a MP não aumentará a competição nem contribuirá para a redução dos preços dos derivados. Ela lembra que os postos de bandeira branca, que comercializam combustível comprado de diversas distribuidoras, representam hoje 47% do total de postos do país. "Hoje o mercado já é dividido. Já existe uma competição entre os dois modelos e, dentro desses modelos, a competição entre os diversos agentes", diz.

"O decreto contribui para a judicialização do setor que hoje, bem ou mal, é muito bem organizado. Temos problemas de fraudes operacionais e tributárias, mas você tem clareza do papel dos direitos e deveres de cada um dos agentes. Essa MP vem no sentido de confundir tudo isso", acrescenta Valéria.

A executiva ressalta que a decisão de permitir a venda direta de etanol dos produtores aos postos vem de uma demanda "legítima" de produtores da Região Nordeste, mas explica que a mudança feita pela MP pode trazer problemas na arrecadação de impostos, principalmente do ICMS nos estados.

Executivo de uma grande empresa do setor, que falou sob a condição de anonimato, acredita que a medida beneficia principalmente atores da cadeia que não pagam impostos. Segundo ele, na prática, a mudança gera risco de aumento de judicializações no setor, pois as grandes redes de distribuidoras têm contratos de exclusividade com seus revendedores. Tais acordos podem levar a ações judiciais caso sejam descumpridos.

O executivo explica que, na prática, os acordos de exclusividade beneficiam ambas as partes, já que o posto recebe benefícios como acesso a financiamentos, investimentos em marketing e prioridade no abastecimento, enquanto a distribuidora consegue ter maior previsibilidade da demanda.

A distribuidora Atem, que tem presença principalmente no Norte e Centro-Oeste do país, por exemplo, diz que vai buscar honrar seus contratos de exclusividade com os postos. "A Atem é uma empresa que preza pela regulação, mas, lógico, vamos defender nossos contratos. Vamos seguir o que a ANP definir junto com o governo federal. A aceleração desse processo pode acabar deixando brechas que a discussão maior com o setor poderia esclarecer", diz o superintendente comercial da empresa, Guilherme Santana.

A Refit também foi procurada, mas não quis comentar a MP.

O diretor-geral do Instituto Combustível Legal (ICL), Carlo Faccio, concorda que o decreto pode levar a litígios, não somente entre distribuidoras e revendedores, mas também entre os próprios postos e consumidores. O ICL é uma organização não governamental (ONG) associada ao Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial (Etco). O grupo foi criado recentemente, a partir do desmembramento da Plural, e conta com o apoio de grandes distribuidoras, como BR, Ipiranga e Raízen.

"Se hoje já existem práticas abusivas de revendedores que lesam o consumidor em quantidade, qualidade ou marca, imagine em uma situação onde há essa previsão legal. Prevemos um aumento de litígios, ações judiciais e descumprimentos contratuais", diz Faccio.

Ele também discorda que a medida possa reduzir preços de combustíveis ao consumidor final. "Hoje há muitos postos de bandeira branca no país e isso não gera preços mais baratos. A única coisa que pode ocorrer [com o decreto] é um descontrole arrecadatório para os Estados e dificuldades de fiscalização junto ao consumidor", acrescenta.

O executivo acredita que a solução para ajudar a reduzir preços na cadeia seria uma reforma tributária, com a unificação de tributos entre os Estados e a caracterização de devedores "contumazes" de impostos, que comercializam combustíveis a preços abaixo dos praticados no mercado. "Nesse mercado não existe fórmula mágica para baixar preços. A única forma de baratear é não recolher o tributo, isso não tem a ver com a bandeira do posto", afirma Faccio.

Também favorável a uma ampla reforma tributária é Paulo Miranda Soares, presidente da Fecombustíveis, sindicato dos postos de gasolina. "A única forma de racionalizar impostos é a reforma tributária, que é a única solução capaz de reduzir o preço ao consumidor", diz. "Essa MP mostra a ansiedade do presidente em tentar baixar o preço do combustível", acrescenta.

Fonte - Valor Econômico

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