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NORDESTE DO BRASIL ABRIGA VALIOSOS CENTROS DE MELHORAMENTO DE CANA

“Terra doce sem deixar de ser firme”. O solo de massapê, poeticamente descrito por Gilberto Freyre em 1937, foi fundamental para a primeira atividade econômica de larga escala do Brasil Colonial: a cana-de-açúcar. A gramínea, originária da Nova Guiné, já vinha sendo explorada pela Coroa Portuguesa nas Antilhas e encontrou as condições ideais para seu desenvolvimento no litoral brasileiro, sobretudo no Nordeste, onde a produção de fato prosperou durante os primeiros séculos de colonização do país.

“A qualidade do solo tornou possível o avanço civilizado da cana em várias outras terras do Brasil. Mas a estabilidade de sua cultura no extremo nordeste e no Recôncavo se explica por condições particularmente favoráveis de solo, de atmosfera, de situação geográfica”, conta Freyre em sua obra Nordeste, na qual aborda o desenvolvimento da economia açucareira na região. Tais condições levaram a uma produção de 350 mil arrobas no final do século XVI, com cerca de 140 engenhos instalados.

Cinco séculos depois, o Nordeste perdeu espaço na produção nacional. Superada pelo expressivo crescimento no Centro-Sul do país, a região hoje responde por menos de 10% da área plantada e 8% do volume colhido na última temporada. A menor participação, contudo, não reduziu a importância nordestina na canavicultura brasileira, pois é do massapê, onde estavam os engenhos mais prósperos do Brasil Colonial, que hoje são produzidas novas variedades de cana: mais resistentes, mais adaptadas e mais produtivas.

“Os primeiros programas de melhoramento genético do Brasil surgiram aqui, no Nordeste. Em Pernambuco, depois em Alagoas. Mas foi aqui, no início do século passado”, conta Djalma Simões, que há 28 anos coordena o Programa de Melhoramento Genético da Cana-de-Açúcar da Rede Interuniversitária para o Desenvolvimento do Setor Sucroenergético (Ridesa). O grupo mantém um banco com 2,5 mil espécies em Devaneio (PE), que todos os anos são cruzadas para abastecer o programa de melhoramento genético mantido pela rede de dez universidades federais.

No sul da Bahia, outros dois bancos importantes de germoplasma completam a coleção nacional de germoplasmas de cana-de-açúcar. Em Serra Grande, o Instituto Agrícola de Campinas (IAC) mantém 1,2 mil variedades e, em Camamu, o Centro de Tecnologia Canavieira (CTC) abriga outra “biblioteca”, com quase 5 mil genótipos diferentes. Juntos, os bancos da Ridesa, do IAC e do CTC formam um berçário de onde saem os cruzamentos que serão testados e selecionados nas diferentes regiões do país.

“A gente pode dizer que toda a variedade de cana-de-açúcar produzida no Brasil, de certa forma, tem sua origem no Nordeste, porque é ali que a gente encontra as condições para que estejam instaladas as estações de hibridização da cana”, observa o pesquisador e diretor do Centro de Cana do IAC, Mauro Alexandre Xavier, ao explicar que o clima e o fotoperíodo verificado na região são ideais para o florescimento e formação das sementes de cana-de-açúcar.

“A cana se expandiu para o Centro-Sul, onde as condições para desenvolver novas variedades não são propícias. A gente precisa ter um florescimento garantido, condições para preservar aquela inflorescência até a maturação do fruto, para ter uma nova cultivar, e no Sul não se encontram essas condições”, completa Simões.

O professor e coordenador do Programa de Melhoramento Genético da Cana (PMGCA) da Universidade Federal de Alagoas, Geraldo Veríssimo, lembra que a região já despertou a atenção inclusive de multinacionais, como Monsanto e Syngenta, que tentaram desenvolver programas próprios de melhoramento genético da cana.

“Na região de São Paulo, a cana floresce também, mas o grão de pólen não é fértil, por causa das temperaturas mais baixas. Aqui, a temperatura mínima exigida para que o grão de pólen seja fértil é de 18°C, o que casa bem com a nossa região”, explica Veríssimo, ao citar as iniciativas de criação de estações de cruzamento em São Paulo. “Os primeiros bancos de germoplasma eram no litoral de São Paulo, em Ubatuba, mas tinham condições que não favoreciam o cruzamento, porque não ocorria a fecundação”, pontua o professor.

Com o maior acervo genético do país, o CTC é a única empresa privada a manter um cronograma de melhoramento genético da cana-de-açúcar no Brasil atualmente e também escolheu a dedo a localização da sua estação de cruzamento: a 13º55’ de Latitude Sul, no pequeno município baiano de Camamu, onde vivem cerca de 37,2 mil habitantes.

“O estudo feito para a localização da estação foi concluído em 1969 e é aqui que encontramos todas as condições de temperatura e chuva, com cerca de 2.000 milímetros anuais, para a formação dos pólens e a fertilização acontecerem”, explica Luciana Castellani, gerente de melhoramento genético do CTC e responsável pela estação de Camamu.

Formada em zootecnia pela Universidade Federal de Viçosa, Castellani fez doutorado em melhoramento genético de plantas visando a nutrição animal. Pesquisou, no milho, o desenvolvimento de variedades com maior digestibilidade para alimentação de bovinos, mas acabou sendo conquistada pelo setor sucroenergético há oito anos.

“Quando entrei para o setor de cana-de-açúcar, eu via muitas semelhanças com o melhoramento animal. Inclusive, as estratégias com uso de estatísticas para predizer o genitor com base nas progênies vieram do melhoramento animal e acabaram me ajudando a pegar mais rápido o melhoramento da cana”, diz.

Os modelos matemáticos usados pelo CTC na seleção das variedades que serão cruzadas levam em consideração a genotipagem e o histórico de cruzamentos para determinar a capacidade que cada indivíduo possui de transmitir as características buscadas pelos melhoristas: produtividade e resistência a doenças. Graças à ferramenta, implementada há seis anos na companhia, o ganho médio de produtividade a cada safra tem sido de 3%. “Para melhorar ainda mais a eficiência de seleção, a gente entrou com a seleção genômica, que, além do fenótipo, também olha os genes para escolher e selecionar os melhores indivíduos”, explica Castellani.

Essa avaliação inclui, por exemplo, quais espécies geram sementes com maior taxa de germinação. Como a cana-de-açúcar produz tanto flor quanto pólen, os melhoristas realizam um tratamento térmico para determinar quais serão os “pais” e quais serão as “mães” das novas gerações. As flechas, como são chamados os aparelhos reprodutores da cana, são juntadas em estruturas isoladas, que impedem a fecundação cruzada, e depois de 14 dias são mantidas em maturação. Cada cruzamento gera até mil sementes, cada uma com um genótipo diferente.

Esse, contudo, é só o primeiro passo de um longo processo de teste e seleção, que pode levar mais de uma década até o lançamento de um novo híbrido no mercado. “Aqui é o início e o programa de melhoramento não pode dar errado. A gente tem de ser muito assertivo na seleção, porque, se a gente errar, aqui vai ser um erro de oito anos”, afirma Castellani.

Das 5 mil espécies presentes no banco genético do CTC, apenas 300 compõem um grupo de elite usado no programa de melhoramento genético. O restante é mantido a título de patrimônio genético, incluindo espécies ancestrais, como a cana caiana, cantada nos versos do pernambucano Alceu Valença e uma das mais cultivadas no período colonial. A caiana já deu espaço a mais de 214 cultivares registradas no Ministério da Agricultura, selecionadas para atender às necessidades específicas de clima e sanidade de cada região, com produtividades que podem chegar a 10 toneladas de açúcar por hectare e preparadas para passar por diferentes cenários, inclusive a crise hídrica observada este ano.

“Esse trabalho regionalizado é o que nos permite ter variedades que possam ser utilizadas em condições mais desafiadoras, pois esses problemas devem se tornar cada vez mais frequentes. Por isso, não há nada mais importante para quem trabalha com biotecnologia do que se preparar para isso”, conclui Xavier, do IAC.

Por Cleyton Vilarino e Rogério Albuquerque

Fonte - UNICA

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