MERCADO DE CRÉDITO DE CARBONO AVANÇA NO MUNDO E BRASIL PODE GANHAR COM ISSO
Para promover a cooperação entre os países de forma a limitar o aquecimento global a menos de 2ºC --- de preferência, 1,5ºC -- até o final do século, o Acordo de Paris prevê a regulação de um mercado de compra e venda de créditos de excedentes de redução de emissões: o famoso mercado de carbono. Trata-se de um mecanismo complementar, que não pode ser utilizado em 100% das metas, mas que tem potencial de ajudar países a atingirem a redução de forma mais rápida, enquanto outras ações de transição energética são implementadas.
O instrumento tem sido muito discutido por empresas e países que buscam reduzir suas emissões de gases de efeito estufa para atingir as metas climáticas do acordo. Mas há um longo caminho até o mercado de carbono decolar.
O que falta, basicamente, é regulamentação. As regras para o comércio dos títulos de redução de emissões, apesar de serem um tema consolidado desde 2005, com o Protocolo de Quioto, ainda hoje não saíram do papel em escala válida internacionalmente. Há mercados nacionais em atividade, cada um com suas regras, mas falta uma regulação global.
Uma oportunidade de grandes avanços está sendo aguardada para novembro, quando os países signatários do Acordo de Paris se reunirem nas negociações climáticas da COP26, em Glasgow, na Escócia. Se as partes chegarem a um consenso sobre o Artigo 6º do acordo -- que trata da regulação do mercado de carbono --, países de todo o mundo poderão negociar créditos de carbono uns com os outros para conseguir adquirir reduções de emissões ou vender créditos de emissões excedentes, caso já tenham cumprido seus compromissos.
"Reinvestir as economias de custo anuais do comércio do Artigo 6º em mais reduções de emissões poderia aumentar o potencial de redução global geral dos gases de efeito estufa em cerca de 9 gigatoneladas (Gt) por ano em 2030. Isso efetivamente dobraria os objetivos dos atuais compromissos dos países sob o Acordo de Paris", avalia Christopher Webb, diretor de Soluções Climáticas Naturais da The Nature Conservancy, em artigo publicado recentemente.
E a cooperação global em torno do tema tem dado sinais positivos. Pela primeira vez, em 10 de julho, os líderes financeiros do G20 reconheceram a precificação do carbono como uma ferramenta potencial para lidar com as mudanças climáticas em um comunicado oficial, dando um passo ainda provisório, porém importante, para promover políticas de redução de carbono pelo mundo.
Preço do carbono bate recordes
Enquanto isso, as negociações têm avançado nos mercados nacionais. O preço da tonelada de carbono no mercado regulado europeu, onde estão 90% das transações do mundo, vem batendo recorde atrás de recorde: bateu 57,87 euros por tonelada em 15 de julho -- um marco no que analistas afirmam ser uma escalada de longo prazo rumo aos níveis necessários para que investimentos em tecnologias "limpas" inovadoras sejam desencadeados.
Entre os fatores que levaram à alta nos preços estão o apoio político da nova meta climática da UE, além do aumento da demanda por certificados de carbono por parte de investidores financeiros, inclinados pela alta dos preços, e um consenso entre analistas de que as cotações devem subir ainda mais nos próximos anos.
"A razão para essa guinada é a oferta limitada e a demanda obrigatória ao redor do mundo, que está só no começo de um longo ciclo. É vantajoso para os países alinhados aos acordos globais que os emissores de carbono paguem cada vez mais caro pelos créditos, a fim de obrigá-los a poluir menos", explica Caroline Prolo, consultora do International Institute for Environment and Development (IIED).
Analistas afirmam que, agora, o preço do carbono na UE deve avançar para níveis suficientemente altos para que sejam desencadeados cortes de CO2 na indústria, setor no qual as alternativas de baixo carbono ainda não conseguem competir com tecnologias tradicionais de combustíveis fósseis em termos de custos.
FMI defende piso para taxa global de emissão de carbono
Diante da volatilidade dos preços e da necessidade de maior comprometimento dos países, a diretora-gerente do Fundo Monetário Internacional (FMI), Kristalina Georgieva, defendeu a criação de um piso internacional para taxar a emissão de carbono.
Durante a Cúpula de Líderes Climáticos, organizada de forma virtual pelos Estados Unidos em abril, Georgieva afirmou que essa taxa global deveria ser de US$ 75 por tonelada até 2030 para que os países consigam atingir as metas propostas no Acordo de Paris. Segundo ela, o preço global médio é, atualmente, de US$ 2 por tonelada.
A proposta não é nova e já havia sido feita pelo FMI em 2019. Mas Georgieva voltou a destacar, na ocasião, que a crise climática apresenta enormes riscos para as economias. Para ela, o desafio ambiental deve ser visto como uma oportunidade para que os países façam investimentos transformadores que serão capazes de gerar empregos verdes.
"Nossa análise mostra que, sem ele [o imposto sobre o carbono], não atingiremos nossas metas de estabilização do clima. Também mostra que uma combinação de preços de carbono em constante aumento e investimento em infraestrutura verde pode aumentar o PIB global em mais de 0,7% ao ano pelos próximos 15 anos", disse ela, em discurso.
Com as vantagens econômicas envolvidas na possibilidade de impulsionar a redução da emissão de gases estufa no mundo, o mercado de crédito de carbono está avançando como nunca antes. Resta conferir se uma regulação, possível de acontecer com a COP26, poderá de fato tornar essa uma realidade para todos os países, contribuindo para a diminuição da interferência humana no aquecimento global.
Brasil pode atrair grandes investimentos
O Brasil é um dos países com maior capacidade de reflorestamento no mundo, o que pode atrair polpudos investimentos com um mercado de carbono regulamentado. Mas para chegar lá, é preciso vencer desafios internos e externos. Além da regulação global, o governo brasileiro precisa avançar na regulamentação de um mercado de negociação de créditos de carbono.
Dono de 40% das florestas tropicais do mundo e grande produtor de energia limpa, com potencial para crescer muito mais, o Brasil é um dos destinos preferenciais para o mecanismo global. O mercado pode movimentar até US$ 45 bilhões por aqui, caso todas as florestas sejam consideradas no esquema de captura de carbono, segundo cálculos da Moss, a primeira bolsa de carbono brasileira e uma das pioneiras no mundo. "Nenhum país tem esse potencial", diz Luis Felipe Adaime, fundador da startup aberta no começo do ano passado com a proposta de conectar produtores rurais a companhias que queiram compensar suas emissões.
Atualmente, o Brasil trabalha na elaboração de um marco legal para as transações de carbono no país, que, por enquanto, tramita na Câmara dos Deputados. O Projeto de Lei 528/21 institui o Mercado Brasileiro de Redução de Emissões (MBRE), que vai regular a compra e venda de créditos de carbono no país. A criação do MBRE está prevista na lei que instituiu a Política Nacional de Mudança do Clima (Lei 12.187/09).
Gustavo Pinheiro, do iCS, parceiro do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS) na elaboração de uma proposta para dar início a um mercado compulsório, diz que não se pode mais perder tempo nesta questão. "As economias que demorarem muito sofrerão consequências ligadas à geração de renda e de emprego no país."
O projeto em análise na Câmara foi apresentado pelo deputado Marcelo Ramos (PL-AM). Ele afirma que a regulação proposta garante a transparência das negociações de créditos de carbono no Brasil. Ramos avalia que o país possui "capacidade natural" para desenvolver esse tipo de mercado.
"O endereçamento adequado das políticas climáticas é algo mais que necessário para o posicionamento do Brasil como um país na vanguarda do desenvolvimento inteligente e estratégico", disse Ramos à Agência Câmara de Notícias.
A proposta segue em análise pelas comissões de Desenvolvimento Econômico, Indústria, Comércio e Serviços; de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável; de Finanças e Tributação; e de Constituição e Justiça e de Cidadania.
Fonte - SIAMIG