TEMOS QUE APROVEITAR O ETANOL, DIZ PRESIDENTE DA TOYOTA PARA A AMÉRICA LATINA
A indústria automotiva investe centenas de bilhões de dólares para atender a regras antipoluição e se adequar à agenda ESG, sigla em inglês para boas práticas ambientais, sociais e de governança.
Para a Toyota, primeira a lançar um carro híbrido flex (capaz de rodar com gasolina, etanol e eletricidade), o desafio envolve a produção anual de 10 milhões de carros mundo afora e o desenvolvimento de uma opção mais limpa e mais em conta para o Brasil.
Em entrevista à Folha, Masahiro Inoue, presidente da montadora para a América Latina e Caribe, fala sobre neutralidade de carbono e explica as razões de a fabricante japonesa ser crítica aos planos de eletrificação plena.
Devido ao histórico de seus produtos, a indústria automotiva é vista como vilã do meio ambiente. Como uma montadora pode zerar as emissões carbono em suas operações? Temos um compromisso de neutralidade de carbono no mundo inteiro, estamos comprometidos com isso. A Toyota apresentou, há cinco anos, os desafios que valem para as operações globais.
As metas são zerar o CO2 no ciclo de vida dos produtos [da fabricação à reciclagem], reduzir o uso de água nos processos, estabelecer um ecossistema de economia circular e investir no futuro verde.
A Toyota prioriza a produção de modelos híbridos e tem uma visão mais crítica sobre veículos 100% elétricos. Por quê? A Toyota é a líder de mercado no segmento de carros híbridos, consideramos que essa é a melhor tecnologia no momento. Há a preocupação com a recarga, questão que pode estar resolvida na Califórnia ou na cidade de Xangai. Em países como o Brasil, entretanto, ainda não é possível ter uma estrutura ampla de carregamento das baterias.
Por isso a aposta no híbrido flex para o mercado brasileiro. O Brasil adotou o etanol há 40 anos, é praticamente carbono neutro, as emissões aparecem apenas na hora de produzir o combustível. Temos que aproveitar a tecnologia que já existe no país, não adianta investir muito dinheiro para produzir baterias.
Caso o etanol se consolide como uma opção para outros mercados, o Brasil pode se tornar um polo de exportação de tecnologia e de modelos híbridos flex? Essa questão não é fácil de responder. No passado, os governos brasileiro e japonês se aproximaram, mas o Japão não produz cana-de-açúcar. A Índia está muito interessada nessa tecnologia, mas não tem estrutura e está tentando importar, portanto há chances para o Brasil.
Mas, apesar das críticas, a Toyota também oferece modelos elétricos, incluindo o veículo autônomo que estará na Vila Olímpica de Tóquio. Sim, o e-Palette, que é 100% bateria e está pronto. Esse conceito nasceu no Brasil.
Como assim? Akyo Toyoda [presidente mundial da Toyota] visitou o Brasil na Olimpíada de 2016. Circulamos de carro pelo Rio, havia muito trânsito e tivemos dificuldade nos deslocamentos. Por isso ele pediu uma solução mais organizada para Tóquio.
Já temos também um veículo 100% elétrico na linha Lexus, que já está à venda na China. Devemos lançar outros automóveis a bateria e mais híbridos plug-in, que podem ser recarregados em casa e rodar entre 80 e 100 quilômetros com eletricidade. É o suficiente para levar os filhos na escola ou ir ao mercado.
A Toyota avançou muito no carro movido a pilha de hidrogênio e há empresas usando o etanol no processo de transformação, o que resultaria em emissão zero. Na visão da Toyota, é um caminho viável? Essa tecnologia de transformação de tecnologia é um sonho para o Brasil, mas é muito difícil produzir hidrogênio verde. Vai levar tempo, talvez 15 ou 20 anos. O custo é muito elevado, o consumidor ainda não paga pelo carro a hidrogênio, portanto não é sustentável.
Existe a possibilidade de o Brasil ter um modelo híbrido flex compacto, de menor custo que as opções atuais? A Toyota, mundialmente, vai oferecer produtos eletrificados, seja híbrido, híbrido plug-in ou com célula de combustível. No Brasil teremos um carro pequeno com tecnologia híbrido flex.
A falta de semicondutores pode atrasar projetos como esse carro compacto? Essa falta começou por causa de uma guerra econômica entre EUA e China. A demanda cresceu e a produção está limitada em todos os países, todos ficam em casa com seus iPhones e equipamentos da Sony e da Nintendo. Mas isso será resolvido em, no máximo, um ou dois anos.
Nesse sentido, não estamos sofrendo muito a médio e curto prazos, a Toyota sempre faz planos de um a dois anos. Vamos diminuir, por exemplo, o estoque em outros mercados, mas conseguimos manter a produção.
Fonte - Folha de S. Paulo