Lívea Coda (Hedgepoint): Safra 2025/26 pode chegar a 620 milhões de toneladas
A temporada 2023/24 de cana-de-açúcar trouxe números notáveis para o Centro-Sul, alcançando uma moagem recorde de 654,43 milhões de toneladas. As perspectivas para a safra corrente, por outro lado, começaram mais contidas, uma vez que seria difícil superar o bom resultado.
Mas os primeiros meses de 2024/25 trouxeram uma surpresa agradável aos produtores. Até a segunda quinzena de junho, de acordo com a União da Indústria de Cana-de-açúcar e Bioenergia (Unica), a moagem acumulada chegou a 238,4 milhões de toneladas, alta anual de 13,3%.
Ainda assim, a expectativa dos especialistas permanece com números inferiores em relação à última safra, demonstrando uma tendência de queda no decorrer dos próximos meses.
Para falar sobre as temporadas, vigente e futura, do Centro-Sul e fatores que estão chamando a atenção do mercado, a Conferência NovaCana 2024 convidou a coordenadora de inteligência de mercado da Hedgepoint Global Markets, Lívea Coda. O evento acontece nos dias 9 e 10 de setembro, em São Paulo (SP).
Em sua palestra, “Estimativas de safra e mercado”, ela irá abordar as atuais perspectivas para safra de cana 2024/25 e as variáveis para os mercados de açúcar e etanol, além de trazer um vislumbre para o ciclo 2025/26. Na sequência, Coda participará de um debate com a presença da gerente da área de análise da Czarnikow, Ana Carolina Zancaner, e o especialista de inteligência de mercado da Stonex, Filipi Cardoso.
Lívea Coda é economista formada pela USP, com mestrado em economia aplicada. Desde 2020, ela atua no setor de commodities agrícolas, com pesquisas quantitativas e fundamentalistas do mercado de açúcar e etanol.
Em conversa com o NovaCana, Coda trouxe algumas visões sobre os temas que serão abordados no evento. Confira abaixo a entrevista completa.
A safra 2024/25 começou com bons números, mas a perspectiva é de que os resultados fiquem abaixo do ciclo anterior. A partir de quando devemos ver uma desaceleração?
Eu acredito que vai ser mais para o final de agosto, próximo de setembro, que vamos começar a ver os números desacelerando um pouco. E, no final da safra, a entressafra não vai ser forte como foi no ano passado, até por conta das chuvas que foram bem piores para o desenvolvimento da cana. Nós não esperamos que a qualidade da cana também se mantenha tão forte até o final da temporada, como vimos em 2023/24. Lógico que, comparado com anos anteriores, ainda temos expectativa de que seja um bom número.
Considerando o cenário atual, quais números podemos esperar para o final da safra?
Na nossa visão, [a moagem] vai ficar em 613,4 milhões de toneladas. Isso ainda é abaixo do que vimos no ano passado, mas, em termos de volume de cana, talvez seja o terceiro melhor resultado. Em volume de açúcar, com os preços que temos hoje, seria o segundo melhor resultado do Centro-Sul; para o mix de produção, estamos atualmente com 51,2% voltado ao açúcar. Porém, se o próximo relatório da Unica apresentar números de mix abaixo de 50%, talvez nossa projeção não seja factível e seja necessário fazer uma revisão para baixo. Então, ainda estamos um pouco otimistas. Isso daria em torno de 41,6 milhões de toneladas de açúcar, mas há a possibilidade de uma revisão para baixo nos próximos dias. Em relação à produtividade, estamos com 139 quilos de ATR [açúcar total recuperável] por tonelada de cana. Comparado com o ano passado, é um número bastante próximo, mas tem uma certa correção. Temos visto que o ATR não está tão alto como antecipado no começo da safra e pode ter uma queda caso haja confirmação de uma qualidade de cana inferior por conta da falta de chuva.
Em relação à produtividade, o clima pode mudar este cenário até o final da safra?
Um inverno mais seco, como estamos tendo, pode ser positivo para a concentração de sacarose, mas temos que lembrar que a cana não se desenvolveu tão bem. Este ano, há bastante incerteza de quão grande, ou não, será a resiliência da cana. Se a matéria-prima não tiver sofrido tanto pela falta de chuvas no começo do ano quanto a maioria dos especialistas está falando, ainda pode ter uma melhora deste ATR. Mas, a princípio, a nossa estimativa está em plena redução e pode ser que também tenha uma correção. Estamos apostando em uma cana um pouco mais resiliente, até pela idade do canavial. Ele está um pouco mais velho do que no ano passado, mas também não é o canavial mais velho que já vimos.
“A entressafra brasileira 2024/25 tem uma expectativa de ser pior; não deve ser uma safra tão longa como vimos no ano passado”, Lívea Coda (Hedgepoint)
Também é esperado um La Niña se formando entre julho e agosto. É possível estimar como esse fenômeno climático poderá afetar a região canavieira do Brasil nesta safra?
Para esta temporada os efeitos seriam bem restritos. Na última estimativa do NOAA [Administração Oceânica e Atmosférica, na sigla em inglês] a respeito do La Niña, que saiu em 15 de junho, eles reduziram a intensidade do efeito climático. Agora, o auge da probabilidade está para o intervalo entre novembro e fevereiro. Isso traria uma entressafra com um pouco menos de chuva e um pouco mais fria, o que poderia auxiliar no ritmo de moagem, embora traga um pouco mais de risco para a próxima safra. Em termos de precipitação, o La Niña não é tão correlacionado com a região Centro-Sul, pois ele afeta mais o clima e pode trazer altas ou baixas temperaturas, dependendo da época do ano.
Foi mencionada a possibilidade de o La Niña trazer tempo seco.
O evento precisaria ser muito intenso para ser possível afirmar que ele de fato traria uma seca e que isso afetaria a próxima safra. Com essa tendência de redução da intensidade, ainda é muito cedo para tomarmos qualquer tipo de posicionamento. Aqui, estamos mais do lado otimista, apostando que vai ser mais um ano de boa quantidade de cana. Não estamos apostando em um La Niña muito forte e com muita seca. Se comparar os gráficos, tem um achatamento da intensidade do La Niña, o que é uma tendência bastante interessante para manter em mente em relação à safra 2025/26 do Brasil e até à safra 2024/25 do hemisfério Norte.
Falando nisso, já podemos ter algum vislumbre de como será a temporada 2025/26 em relação à produção?
Ainda é bastante cedo. Temos uma estimativa, mas os fatores que costumamos prestar mais atenção podem ou não acontecer; a precipitação entre novembro e fevereiro é a principal janela de desenvolvimento da cana para a próxima safra. Então, considerando a redução da intensidade do La Niña neste período, estamos um pouco mais otimistas e podemos esperar um pouco mais de cana do que nesta safra. Estimamos 620 milhões de toneladas de cana e quase 52% de mix de açúcar para a safra que vem. Mas isso ainda é uma estimativa e podemos ser surpreendidos, tanto para cima quanto para baixo.
Então, o setor deve se manter nesse patamar superior a 600 milhões de toneladas de cana?
Imaginando que o período entre novembro e fevereiro seja perfeito em chuvas para o desenvolvimento da cana, o céu é o limite – podemos estar falando de um repeteco da safra “super boa” de 2023/24. Talvez não tão boa por conta da idade do canavial, que vai estar mais avançada, e por conta da seca deste ano. Então, o volume de 620 milhões de toneladas entra um pouco com este contexto; não queremos deixar um valor super otimista, mesmo que tudo seja perfeito, porque ainda temos um pouco de penalização nesta parte da idade e pela seca. Além disso, podemos ser surpreendidos com uma redução, como no caso de um La Niña muito mais intenso do que o esperado e mais um ano de seca; aí, podemos ter um resultado pior do que estávamos esperando. Considerando condições medianas, podemos ter cerca de 620 milhões de toneladas de cana, mas é bem cedo para estimar qualquer coisa.
Você pode comentar como está o andamento da temporada na Índia?
Estamos em um período bem delicado e importante para o desenvolvimento da safra no hemisfério Norte. Entre junho e agosto, principalmente, tem o período das monções na Índia, que são essenciais para o desenvolvimento da cana. Até agora, temos visto monções entre a média e acima da média, o que tem sido bastante favorável para o desenvolvimento da matéria-prima no país. Existem alguns rumores de um tipo de praga que às vezes atinge a cana indiana, mas, por enquanto, não há nada realmente confirmado de que isso possa ser um problema no desenvolvimento ou causar quebra. A princípio, está parecendo que vamos ter uma safra melhor na Índia.
E como está o cenário para os outros países produtores de açúcar?
Na Tailândia, também temos um clima um pouco melhor. E o México também está se recuperando neste quesito. Pensando em clima para o hemisfério Norte, portanto, a tendência é de recuperação. Não será a capacidade máxima que esses países já tiveram, mas uma melhora em comparação com os últimos dois anos. A Mars, agência europeia que fala de clima e desenvolvimento do material bruto – por exemplo, a beterraba –, está vendo uma recuperação de produtividade, ficando acima da média de cinco anos.
Teremos, então, uma maior oferta global de açúcar?
Acho que a tendência neste período é bastante importante porque vai impactar, principalmente, os contratos da entrega principal do hemisfério Norte, especialmente o contrato de março do ano que vem. Apesar da expectativa de recuperação, o volume ainda está abaixo do visto em anos anteriores. Também não teríamos uma boa entressafra brasileira, como tivemos neste ano. Isso tem contribuído para a forma que a curva de preços está formando. Se olhamos para 2025, depois desse carrego para março, temos uma nova inversão, porque, de março em diante, parece que o mercado está precificando que o Brasil ainda não vai ter uma super quebra, mas está muito cedo para isso.
Por falar nisso, o açúcar vem vivenciando uma flutuação de preços, mas o mix de produção ainda está mais voltado ao adoçante. O mercado global é capaz de sustentar mais uma maximização da produção brasileira? Por quê?
Ainda estamos com um pouco de restrição no mercado internacional, principalmente pelo contexto de quebra da Índia e da Tailândia em anos anteriores, com redução de disponibilidade. Temos uma perspectiva de recuperação para esses dois países, mas não vai alcançar toda a capacidade que eles têm de disponibilizar açúcar para o mercado internacional. Então, pensando em América Central, Índia, Tailândia, Europa, existe uma tendência de recuperação, mas um pouco aquém da capacidade que eles têm; ainda não temos essas regiões entrando com força total no mercado internacional. Isso já deixa o preço do açúcar mais sustentado do que no passado, maior do que os 12 a 14 centavos de dólar por libra-peso que vimos nos anos em que a Índia exportou bastante açúcar. A maximização do Centro-Sul está relacionada a esse contexto global mais apertado.
E em relação ao mercado doméstico de etanol?
Temos visto o etanol enfrentando alguns desafios para se recuperar e aumentar o preço em comparação ao adoçante também. O valor do etanol está falhando para chegar no do açúcar porque, em questão de demanda, apesar de estar sendo um pouco mais aquecida este ano, com números de venda doméstica das usinas próximos dos vistos em 2020, levou bastante tempo para isso acontecer e nós o final da safra teve um estoque de carrego muito grande de etanol. Então, até tudo isso ser consumido, a demanda tem que se manter bastante forte para gerar uma redução de estoque suficiente para termos essa recuperação.
“A perda de qualidade da cana não está permitindo que tudo o que elas querem seja direcionado ao açúcar. Isso gera um excedente de etanol que também não tem contribuído para a recuperação de preços do biocombustível”, Lívea Coda (Hedgepoint)
Temos ainda todo um contexto do mercado de combustíveis. Se o preço do etanol chegar a 70% do valor da gasolina, ele ainda vai estar abaixo do preço do açúcar equivalente, mas já começa a perder competitividade para a gasolina. Então, o que vemos é que existe todo um contexto internacional para o açúcar, que está mais sustentado do que no passado, mas também existe o cenário doméstico de preços do etanol, que não está cooperando para que vejamos no curto, médio e longo prazos, uma mudança no comportamento das usinas. Precisaria ter muita demanda de combustíveis para alterar essa tendência, não necessariamente só de etanol.
Em qual contexto o biocombustível poderia voltar a apresentar preços mais atrativos aos produtores?
Existe também a parte da política de preços dos combustíveis. Se o valor da gasolina não reage, entra toda uma questão de política pública, de agenda, que foge um pouco do controle do mercado e pode deixar os preços reduzidos, quando, na verdade, deveriam aumentar. Hoje, vemos que a Petrobras tem mantido uma janela mais fechada; tem perdido dinheiro na parte da importação por conta de política pública, por não querer trazer a volatilidade do mercado internacional para o doméstico. Não temos uma opinião formada sobre isso, mas vemos essa disparidade de preços que acaba impactando a gasolina e, portanto, o nível máximo que o etanol consegue atingir.
Giully Regina – NovaCana
Imagem Lívea Coda