O agronegócio e a reforma tributária
A reforma tributária tem um grande objetivo central, que é a simplificação da legislação e da sistemática de apuração dos tributos, encerrando um ciclo caótico de leis numerosas e complexas, além de muitas vezes contraditórias. Um ponto-chave é a criação do imposto de valor agregado em cada operação na cadeia de produção, o que afastará definitivamente a tributação em cascata.
Segundo o Tesouro Nacional, a carga tributária foi superior a 33% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2022, sendo 13,4% correspondentes a impostos e contribuições sobre o consumo, o que equivale a quase 40% do total.
A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) aprovada na Câmara dos Deputados unificou cinco tributos em dois novos. O Programa de Integração Social (PIS), a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) e o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) foram agrupados na Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS). Já o Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS) e o Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS) serão transformados no Imposto sobre Bens e Serviços (IBS).
Além desses dois tributos foi criado um terceiro, o Imposto Seletivo, que será utilizado para aumentar a tributação dos bens e serviços prejudiciais à saúde humana e ao meio ambiente. Aqui temos um ponto de alerta para o agronegócio. É possível haver majoração de carga tributária se defensivos agrícolas forem considerados prejudiciais à saúde humana ou ao meio ambiente. Caso esse aumento aconteça, o custo dos insumos será afetado de forma direta.
A tributação seletiva também poderá incidir sobre veículos e maquinários de potencial poluente utilizados pelo setor agrícola, o que, além de aumentar os custos do processo produtivo, impacta a tomada de decisões sobre a modernização da atividade desempenhada.
Com relação aos índices, para o IBS e CBS há previsão de uma única alíquota de referência para todo o território nacional. Para alguns bens e serviços, como saúde, educação e transporte, poderá ser reduzida em 60%. Medicamentos e programas especiais poderão ter diminuição de 100%. Para o agronegócio, a redução total ou parcial da alíquota de referência de alguns produtos ou serviços é de vital importância para a manutenção ou diminuição da carga tributária atual.
A alíquota de referência deve ser definida por lei depois que a reforma for aprovada. Tal fato gera insegurança jurídica e econômica, tendo em vista que até lá é impossível saber qual carga tributária será implementada.
Os pontos positivos da reforma são os seguintes: as empresas se creditarão da totalidade dos valores de tributos pagos na cadeia anterior; a incidência será por fora, afastando a sistemática de apuração atual que permite que o fisco exija o cálculo do imposto por dentro (imposto incidindo sobre ele mesmo; o recolhimento do tributo será no destino dos serviços ou das mercadorias; e não haverá a cobrança do Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores [IPVA] sobre implementos agrícolas).
O produtor rural, pessoa física com receita de até R$ 3,6 milhões, terá a opção de escolher se quer ou não ser tributado. Se não quiser, a aquisição de insumos não gerará direito ao crédito, e suas vendas não serão tributadas. Nesse caso, os adquirentes de insumos do produtor rural não contribuinte terão um crédito presumido, cujo percentual será definido. Para o produtor rural que escolher ser contribuinte se mantém a sistemática de tomada de crédito dos insumos e venda tributada.
Esses fatores ajudarão o agronegócio, por simplificar os trâmites e reduzir o custo burocrático associado a esses procedimentos.
No entanto, existem pontos de atenção e fatores preocupantes que podem afetar de forma negativa o agronegócio. A proposta determina que a arrecadação seja feita pelo governo federal. Isso causou indignação nos Estados e municípios, que perderão tanto a gestão dos recursos públicos quanto a força política. A forma de arrecadação proposta ainda retira dos Estados e municípios a capacidade de legislar localmente e considerar características regionais e peculiaridades econômicas.
Além disso, está previsto o fim das isenções fiscais para o setor agropecuário. Assim, será necessário aguardar as novas bases de arrecadação aplicadas ao setor para entender se a redução da alíquota referencial para bens e serviços do agro manterá ou não a carga tributária nos mesmos padrões.
Não se descarta o aumento da carga tributária para o agronegócio, pois, historicamente, é um setor beneficiado por incentivos significativos. Além disso, o deslocamento de parte da carga tributária do setor industrial para os setores de comércio e de prestação de serviços pode levar a esse cenário, o que pressionará ainda mais as margens de lucro do setor, impactando a competitividade dos produtos agrícolas brasileiros no mercado global.
Embora as mudanças prometam simplificar o sistema e garantir uma distribuição mais justa da carga tributária, os impactos potenciais para o setor do agronegócio são uma fonte de imensa e contínua preocupação. O diálogo entre o setor agrícola e o governo é crucial para garantir que as necessidades desse importante segmento econômico sejam consideradas e atendidas.
Ângelo Ambrizzi é head de Direito Tributário do Marcos Martins Advogados
Brain Story, via Portal do Agronegócio