Mais do que motores, biocombustíveis precisam “mover corações e mentes”
O etanol pode ser muito bom para a descarbonização, mas ainda é ruim na comunicação. Essa é uma das conclusões da mesa-redonda “A bioenergia alavancando a transição energética”, promovida pela FAPESP no último dia 20 de junho.
Após o debate, que reuniu vários especialistas do setor, ficou evidente que mais do que a batalha pela eficiência energética o que os biocombustíveis precisam, e por enquanto não estão conseguindo, é vencer a batalha de narrativas quanto às suas reais potencialidades em detrimento das fontes não renováveis.
“Até pouco tempo atrás, a narrativa era a de que não havia terras suficientes e que a produção de biocombustíveis iria competir com a produção de alimentos e contribuir para a degradação florestal – o que foi totalmente desmentido pela experiência brasileira. Agora, a narrativa é a de que pode não haver biomassa suficiente. Quando entram na conta biocombustíveis para aviação, biocombustíveis marítimos e os planos europeus de não permitir em seu território o uso de nenhum produto agrícola, mas apenas resíduos, surge essa nova narrativa”, disse Glaucia Mendes Souza, professora titular do Instituto de Química da Universidade de São Paulo (IQ-USP) e membro da coordenação do Programa FAPESP de Pesquisa em Bioenergia (BIOEN).
Glaucia Mendes Souza
Segundo Souza, em países como Brasil, Argentina, Colômbia e Guatemala, considerando biocombustíveis que já estão estabelecidos (etanol de cana e milho, biodiesel de soja e palma) as reduções chegam a 86%. “Lembrando que esses países têm áreas de pastagem tais que, se quisermos duplicar a produção, conseguiremos com, em média, 5% de conversão dessas áreas em lavouras para produção de bioenergia — no caso brasileiro apenas 3%”, disse Souza.
O problema, conforme foi enfatizado por outros debatedores no evento, é que a ignorância é enorme. E, mais uma vez, está sendo utilizada na construção de narrativas que atendem a interesses econômicos que vão na contramão de uma efetiva transição energética.
Com relação a eletrificação da frota de veículos, a questão, segundo especialistas, não é se ele deverá ou não acontecer. Mas sim, se ela deverá ser parcial ou total.
Ricardo Simões de Abreu
“No Brasil, infelizmente, estamos comprando uma discussão que não é nossa. Uma coisa tem que ficar clara: a mobilidade do futuro vai ser eletrificada. Isso significa que a energia que chega à roda do veículo vai ser produzida por um motor elétrico. Porque isso é muito mais eficiente, elimina uma série de componentes. E, principalmente, porque, quando o veículo é freado, é possível transformar o motor em gerador e recuperar 30% da energia gasta – energia que hoje é desperdiçada quando pisamos no freio”, falou Ricardo Abreu, consultor em assuntos de mobilidade da União da Indústria de Cana-de-Açúcar e Bioenergia (UNICA).
“No futuro, os veículos vão ter uma espécie de prancha totalmente montada com baterias e um motor elétrico em cada roda, ou em duas rodas pelo menos. Mas será preciso abastecer, de algum jeito, esse conjunto de baterias. Se forem abastecidas externamente, o veículo será 100% elétrico. Mas é possível reduzir em 80% a quantidade de baterias e colocar um gerador de eletricidade no interior do veículo: um motor de combustão interna, que abastecerá as baterias. Esse veículo será um híbrido“, explicou.
Segundo o consultor, a opção pelo veículo totalmente elétrico não está sendo feita por uma questão de sustentabilidade. Mas por interesses econômicos, de manter o mercado, e por interesses geopolíticos, de não depender de países produtores de combustíveis de baixo carbono.
Hugo Cagno
Abreu acrescentou que é possível ter um veículo híbrido, com bateria pequena e motor de combustão interna, abastecido com combustível de baixo carbono, por exemplo, o etanol. “É uma solução mais rápida, porque não precisa de toda uma infraestrutura; é mais barata, porque reduz o custo de baterias; e pode ser feita inteiramente no Brasil”, disse.
Outro problema em relação aos veículos elétricos é onde buscar a eletricidade. O caminho adotado inicialmente na Europa foi duramente criticado, durante o evento, por Hugo Cagno Filho, presidente da União Nacional da Bioenergia (UDOP).
“Os europeus apresentaram o carro elétrico como opção não poluente e foram recuperar minas de carvão para produzir a eletricidade. Essa foi a maior aberração que eu já vi”, falou.
Vale lembrar que o carvão é o combustível fóssil mais poluente: quando queimado, emite cerca de duas vezes mais dióxido de carbono (CO2) do que o gás natural e 30% mais do que a gasolina. “Agora, perceberam o que fizeram e estão mudando a conversa para o hidrogênio. Nós acreditamos que uma das fontes de hidrogênio será o etanol. Mas, o fato é que o hidrogênio não será produzido nas usinas atuais. E, sim, dentro do próprio veículo. Já existe um carro no Brasil que faz isso há muitos anos”, comentou Cagno Filho.
Luis Fernando Cassinelli
Para o presidente da UDOP, a falta de conscientização ambiental dos consumidores e a política de preços, são fatores que dificultam a disseminação dos bioetanol. “Não há uma política pública de conscientização do uso de energia limpa. As pessoas só veem o preço na bomba. Ninguém consome etanol porque é não poluente, consome porque é mais barato. E, quando o governo adota políticas para baixar o preço da gasolina, nós vamos juntos na brincadeira”, disse.
O professor de Embalagens Poliméricas no Instituto Mauá de Tecnologia e membro da coordenação do BIOEN-FAPESP, Luis Fernando Cassinelli, destacou a importância de outros subprodutos além do bioetanol e do biodiesel.
“Um deles é a metionina, um aminoácido bastante usado na alimentação de frangos. A metionina de origem renovável é muito mais barata do que a feita de petróleo. Outro caso é o do ácido succínico, que dá origem a uma série de produtos. Feito a partir do petróleo, custava US$ 10 o quilo; feito de biomassa renovável, custa US$ 2″, exemplificou.
Cassinelli lembrou que o próprio motor flex utilizado nos veículos produzidos no Brasil foi uma tentativa de adaptação e disse não ser o ideal para funcionar com etanol. Segundo o cientista, um motor totalmente dedicado seria bem mais eficiente. “Estamos em uma fase de transição. Existe uma grande oportunidade para o Brasil. Nunca tivemos uma oportunidade tão boa como temos agora com a bioenergia. A área de pesquisa é extremamente importante para dar ferramentas a esse desenvolvimento. E acredito que, desta vez, ao contrário do que ocorreu em outras ocasiões, não perderemos a oportunidade”, finalizou.
Via Jornal Cana