O que 2023 reserva para o setor, segundo diretor da UNICA
Às vésperas do início da safra 2023/24 na região Centro-Sul, o ano já oferece notícias positivas: quatro novas unidades entram em operação e tudo indica que a oferta de cana-de-açúcar será maior que a do ciclo anterior.
Mas o setor conviverá com dúvidas relacionadas aos tributos sobre os combustíveis, a dinâmica de precificação interna dos derivados e os preços internacionais do petróleo.
Estas são variáveis que “ainda podem trazer alterações no cenário atual”, destaca Luciano Rodrigues, diretor de Economia e Inteligência Setorial da UNICA (União da Indústria de Cana-de-Açúcar e Bioenergia), nesta entrevista ao JornalCana.
Confira:
JornalCana – Qual sua avaliação para a safra de cana do país em encerramento e para a safra 2023/24 de forma geral e em termos de mix?
Luciano Rodrigues – Até 31 de dezembro de 2022, a moagem no Centro-Sul atingiu 541 milhões de toneladas de cana-de-açúcar.
O número final da safra 2022/23 vai depender da quantidade de cana-de-açúcar que será processada no primeiro trimestre de 2023.
Historicamente, a moagem nesse período varia entre 3 e 17 milhões de toneladas.
Neste ano, o número será influenciado pela quantidade de empresas que conseguirem iniciar a safra antes de abril e pelas condições climáticas nesse período.
De todo modo, a moagem no último trimestre de safra será residual na comparação com a quantidade de cana-de-açúcar que já foi processada.
Luciasno Rodrigues
JornalCana – Há projeção otimista para a 23/24?
Luciano Rodrigues – Sobre a safra 2023/24, estamos observando um bom desenvolvimento do canavial até o momento.
Se as condições climáticas continuarem dentro do esperado, a expectativa é de uma maior disponibilidade de cana-de-açúcar para processamento no próximo ciclo agrícola.
JornalCana – E quanto ao mix?
Luciano Rodrigues – Em relação ao mix de produção, ainda precisamos esperar os desdobramentos de inúmeras variáveis no mercado de combustíveis.
Os tributos sobre os combustíveis, a dinâmica de precificação interna dos derivados, os preços internacionais do petróleo, entre outras variáveis, ainda podem trazer alterações no cenário atual.
Projeções e investimentos
JornalCana – Para 2023, quatro unidades novas devem estrear na produção: a unidade Nardini de Aporé – GO, a segunda unidade de etanol de milho da Cerradinho em Goiás, a unidade de açúcar da unidade da Coruripe em Limeira do Oeste – MG e a primeira das 5 unidades de etanol de segunda geração da Raízen. Qual sua avaliação sobre esses investimentos pelo setor?
Luciano Rodrigues – Os investimentos em um setor tão relevante para a economia do país devem ocorrer em um ambiente de previsibilidade e regras claras.
Na história recente da indústria sucroenergética, esse ambiente foi proporcionado pela estabilidade da política de precificação dos derivados e pelo RenovaBio, a Política Nacional de Biocombustíveis, que buscou definir de forma mais clara o papel do etanol e dos demais biocombustíveis na matriz energética brasileira.
Nos últimos anos, a despeito das mudanças promovidas pela pandemia e das alterações no mercado mundial de petróleo, a estrutura vigente no Brasil ofereceu condições para investimentos em capacidade de produção, em novos energéticos e em tecnologias com potencial de ampliação das eficiências técnica, econômica e ambiental da produção.
JornalCana – O que mudou?
Luciano Rodrigues – As mudanças recentes nesse cenário, com alterações nos prazos de cumprimento das metas do RenovaBio e na estrutura de tributos sobre os combustíveis, precisam ser rapidamente revertidas para que possamos permitir a consolidação dos investimentos em curso.
JornalCana – 2023 também marca a chegada de corporações estrangeiras no setor. É sinal de atratividade como negócio. O setor é atraente aos olhos internacionais?
Luciano Rodrigues – O mercado percebeu que o setor pode se posicionar de forma importante diante dos desafios impostos pela transição energética e pelo aquecimento global. No passado, a produção energética desta indústria se restringia ao etanol de cana-de-açúcar.
Hoje temos etanol de cana-de-açúcar, etanol de milho, etanol de segunda geração, bioeletricidade, biogás, biometano e créditos de descarbonização.
No futuro, poderemos ampliar esse portfólio com carbono verde, combustível sustentável de aviação, hidrogênio e etanol com captura de carbono. Esse cenário oferece uma condição única ao setor e ao país.
JornalCana – Comente sobre a participação do etanol de milho no setor
Luciano Rodrigues – Atualmente, a produção de etanol de milho representa entre 15 e 20% da produção total de etanol e se posiciona de maneira relevante na complementação da oferta nacional do biocombustível.
Trata-se de um sistema de produção diferenciado e sustentável, com milho de segunda safra, energia gerada com resíduos e biomassa, além da produção de inúmeros subprodutos, com destaque para aqueles destinados à alimentação animal.
No Centro-Oeste, a fabricação de etanol a partir do milho em unidades dedicadas e flex deve crescer nos próximos anos.
JornalCana – Biogás, biometano, etanol de segunda geração e novas tecnologias – como a da transformação de etanol em hidrogênio para mover veículos híbridos. O setor faz sua lição de casa em tecnologia e investimentos?
Luciano Rodrigues – Os novos produtos e a ampliação da eficiência energético-ambiental dos produtos já ofertados pela indústria devem ampliar o potencial de descarbonização da bioenergia no Brasil.
Enquanto empresas de outros setores buscam estruturar seus inventários de carbono, no Brasil temos bioenergia ofertada com pegada de carbono auditada por empresa externa e pela Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP).
O setor se antecipou a esse processo e precisa manter os esforços que estão sendo empreendidos na busca por novos produtos, usos e tecnologias.
JornalCana – Bioeletricidade: o que é preciso fazer para ampliar a cogeração e assim aumentar a segurança de oferta de energia elétrica para o país?
Luciano Rodrigues – Precisamos estabelecer uma política setorial de longo prazo para a bioeletricidade e o biogás. Nesse sentido, destacaria dois pontos importantes: a necessidade de avançar com a instituição de mecanismos, nos mercados regulado e livre, que valorizem os atributos locacionais, elétricos, ambientais, econômicos e sociais advindos do uso da bioeletricidade e do biogás; e o estabelecimento, nos instrumentos de planejamento setorial, de uma visão estruturante e integrada da bioeletricidade com os demais produtos da cana-de-açúcar na matriz de energia do país.
JornalCana – O que será do biocombustível diante do cenário que vem se construindo com o novo governo, que inclui o impacto do fim das desonerações sobre combustíveis?
Luciano Rodrigues – Esperamos que o discurso de avanços na economia verde, no uso de renováveis e na necessidade de medidas para mitigar os efeitos perversos do aquecimento global se transformem em ações estruturantes e reconheçam o potencial do setor sucroenergético nessas áreas.
Temos vantagens comparativas e competitivas que podem posicionar o Brasil na vanguarda do movimento mundial da economia de baixo carbono.
JornalCana – E sobre os tributos?
Luciano Rodrigues – Em relação aos tributos, a Emenda Constitucional no. 123/2022 consolidou a necessidade de reconhecimento dos benefícios ambientais dos biocombustíveis por meio de diferencial tributário em relação ao seu concorrente fóssil.
O ordenamento jurídico atual prevê o restabelecimento do diferencial tributário entre etanol e gasolina observado antes das alterações realizadas no mercado de combustíveis no segundo semestre do ano passado.
No momento em que o mundo discute medidas para reduzir as emissões de gases de efeito estufa, não faz sentido reduzirmos os tributos da gasolina de maneira desproporcional à redução praticada para o etanol.
Delcy Mac Cruz
Por Andreia Vital, via Jornal Cana