[Opinião] As lições do comportamentalismo para as políticas públicas de bioenergia
Por Evandro Gussi*
Certa vez, em conversa com investidores do setor de bioenergia, lembrei-me dos experimentos de John Watson, psicólogo norte-americano fundador do comportamentalismo. Observando camundongos em laboratório, Watson estudou o comportamento dos animais – e mais tarde, dos humanos – a partir das respostas dadas a estímulos externos. Ele desenvolveu a ciência do comportamento observável, mostrando que o medo, a insegurança e a falta de previsibilidade no futuro travam os animais, travam os seres humanos e, posso afirmar, travam investimentos.
O investidor precisa ter o mínimo de segurança para saber aonde vai e o que vai fazer, dados os riscos naturais de mercado. Mais do que os camundongos de Watson, mais do que as pessoas em geral, não há nada no mundo quem tenha maior sensibilidade à ausência de previsibilidade do que o investidor. Aprofundando o tema, na economia, Douglas North trouxe ao debate o papel das instituições, a sua capacidade de orientar o comportamento humano e o seu papel determinante para o desenvolvimento.
Sob essas perspectivas, fica claro um paradoxo do Brasil atual. Por um lado, temos todas as condições de deslocar o centro gravitacional da produção industrial do mundo para o nosso país, à medida em que temos inúmeras rotas energéticas disponíveis e não concorrentes, ou seja, complementares. Em resumo, é muito difícil encontrar tamanha oferta energética sustentável como o Brasil tem. Por outro lado, vivemos em ciclos de insegurança jurídica que nos impedem de materializar esse potencial.
Nesse cenário, a experiência consolidada do Brasil em quase 50 anos com o etanol ganha destaque: trata-se de uma solução acessível para uma das maiores demandas globais – a mitigação da emergência climática. O etanol emite até 90% menos poluentes do que a gasolina. Nas últimas duas décadas, seu uso no Brasil evitou que 600 milhões de toneladas de CO2eq fossem lançados na atmosfera, contribuindo para a saúde de milhões de pessoas e do meio ambiente. Atualmente, cerca de 46% dos veículos do ciclo Otto (veículos leves) usam o biocombustível a partir da tecnologia flexfuel, presente no país desde 2003.
Esse robusto mercado brasileiro foi um dos fatores decisivos para viabilizar o programa brasileiro de etanol, além, é claro, das excelentes condições agroclimáticas para produção agrícola. E temos potencial para ir além, transformando o nosso biocombustível em commodity, juntamente com outros países produtores, como a Índia. A condição para isso é que prevaleça um mercado livre, institucionalmente previsível e sem barreiras tarifárias ou técnicas.
Mas, embora exista demanda para a grande capacidade de entrega que o Brasil tem em biocombustíveis, também necessitamos que todos os agentes estejam alinhados para que essas entregas ocorram.
Em 28 de fevereiro termina o período de desoneração dos impostos de combustíveis. Adotado no governo Bolsonaro, às vésperas do período eleitoral, este subsídio aos combustíveis fósseis deveria ter terminado em 31 de dezembro de 2022, mas foi prorrogado por medida provisória até o fim de fevereiro, em um dos primeiros atos do governo Lula, criando enormes prejuízos ao setor sucroenergético, sem falar nos malefícios ambientais e sociais. Só nos dois primeiros meses de 2023, estima-se que as perdas sejam da ordem de R$ 3 bilhões.
Além do prejuízo para a cadeia produtiva de etanol, a insegurança jurídica imposta pela decisão pode levar à desestruturação dos investimentos em curso para a sua produção no país e, ainda, impactar a expansão e consolidação dos outros energéticos produzidos pelo setor, como a bioeletricidade, o biogás e o biometano. Isso sem falar no impacto negativo em investimentos em tecnologia e infraestrutura para o futuro da diversificação.
O movimento do governo reflete em insegurança jurídica, instabilidade em suas decisões e incoerências em pontos que afirmam ser suas maiores pautas: agenda ambiental, recuperação fiscal, reindustrialização e defesa da Constituição.
As lições de Watson e de North – não que isso nos cause satisfação – continuam mais atuais do que nunca.
* Evandro Gussi é presidente e CEO da União da Indústria de Cana-de-Açúcar e Bioenergia (Unica); foi deputado federal por São Paulo de 2015 a 2019, período em que apresentou a Lei do RenovaBio