Com ou sem imposto, carro elétrico volta à berlinda
A maioria dos brasileiros mal começara a assimilar as diferenças entre um carro totalmente elétrico e as variações de híbridos -- a gasolina, a etanol ou plug-in -- quando o questionamento em torno da isenção de Imposto de Importação desses veículos, levantado pela indústria na semana passada, provocou ainda mais confusão. É provável que a curiosidade do brasileiro, apaixonado por automóveis, o levasse a buscar mais informações sobre essas novidades. Mas os preços elevados desanimam a maioria. Mesmo assim, os resultados das vendas nos últimos meses já começam a revelar preferências do consumidor, seja por modelos, marcas ou tipos de tecnologia.
A fatia dos eletrificados -- que abrange elétricos e todos os tipos de híbridos -- ainda é pequena. Somou 4,5 mil unidades em janeiro, o equivalente a 3,4% das vendas de carros de passeio e comerciais leves no país, segundo a Associação Brasileira do Carro Elétrico (ABVE). Mas o ritmo de crescimento contrasta com o do mercado total. Enquanto as vendas de todos os veículos leves cresceram 11,9% na comparação com janeiro de 2022, no caso dos eletrificados, o avanço foi de 76%. Em relação a janeiro de 2021, o incremento chegou a 241%.
A liderança desse mercado segue com os híbridos (HEV na sigla em inglês), com 45% das vendas em janeiro. Preços mais baixos e a ausência de infraestrutura para garantir o carregamento dos 100% elétricos são os principais motivos dessa preferência.
O híbrido funciona com dois motores -- o elétrico é alimentado por outro, a combustão. Ambos se revezam dependendo da situação. O elétrico funciona bem no meio urbano, no trânsito, enquanto que o motor a combustão precisa entrar em ação quando a situação exige mais torque, como numa subida, em altas velocidades numa estrada ou quando falta energia no elétrico. Esse tipo de veículo também conta com a chamada frenagem regenerativa, que ajuda a gerar energia.
Os HEVs ainda se classificam entre os que usam só gasolina e os que aceitam etanol (HEV flex), que são produzidos no Brasil, principalmente pela Toyota, e que representaram 34% das vendas de eletrificados em janeiro. O etanol, tem sido o principal argumento da parte da indústria que defende o desenvolvimento e produção desses veículos no Brasil como um processo de transição do país para a eletrificação total. No caso dos ganhos para o meio ambiente, a grande questão a ser resolvida é: assim como acontece com o carro a combustão, como convencer o consumidor a usar etanol se ele tem a opção da gasolina quando o preço do derivado da cana não compensa?
O brasileiro já começa a conhecer também os chamados híbridos plug-in, que representaram 38% das vendas de eletrificados no mês passado. O plug-in é um híbrido que também pode ter as baterias recarregadas na tomada. É um carro que oferece maior uso do motor elétrico (com ganhos ambientais e de economia de combustível) e não deixa o motorista na mão durante viagens em regiões que não oferecem infraestrutura de carregamento. Na Europa, por exemplo, todos os híbridos já são do tipo plug-in.
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Por fim, o 100% elétrico, cujas baterias são carregadas apenas na tomada, somaram 17% das vendas de eletrificados no Brasil em janeiro. Todos os totalmente elétricos (BEV na sigla em inglês) e os híbridos plug-in (PHEV) vendidos no Brasil são importados e têm Imposto de Importação reduzido, a maioria com isenção total, desde 2016. A chegada dos compactos, da China, é o que preocupa uma parte das montadoras, que teme pela concorrência com carros a combustão produzidos no Brasil.
O carro 100% elétrico mais vendido no Brasil em 2022 foi também um dos mais caros: o modelo XC-40, da Volvo, que custa a partir de R$ 330 mil. O curioso no ranking brasileiro dos 100% elétricos é que dos seis primeiros colocados, três são da chamada linha premium, mais caros, e os outros três são compactos na faixa de preços que vai de R$ 146 mil a R$ 150 mil. Os três compactos -- iCar, da CAOA Chery, E-JS1, da JAC Motors, e Kwid E-Tech, da Renault -- são produzidos na China. Já os três primeiros colocados da linha premium -- XC-40 e C40, da Volvo, e E-Tron, da Audi -- vêm de fábricas da Bélgica.
O empresário Sérgio Habib, proprietário da SHC, importadora da chinesa JAC Motors, diz que as montadoras não deveriam se preocupar tanto com a concorrência porque, diz ele, os preços são ainda muito elevados para o padrão brasileiro. Os 100% elétricos representaram 0,4% das vendas totais de carros no país em 2022.
Já na China o ritmo é outro. O país asiático vende mais elétricos do que o resto do mundo combinado. Projeções da Statista, consultoria americana especializada em análise de dados de mercado, indicam que os modelos elétricos representarão, no mínimo, um quarto do mercado chinês em 2025. Mas podem chegar até a 50% no mesmo prazo.
Estimativas de consultorias especializadas indicam que em 2022, foram vendidos, no mundo cerca de 8 milhões de elétricos e híbridos plug-in em todos o mundo, cerca de 10% das vendas globais. Segundo previsão da Statista, entre 2021 e 2027, a quantidade de recursos envolvidos no negócio com elétricos deverá aumentar mais de quatro vezes.
Mas o ritmo não é igual em todas as partes do planeta. "Em quase todos os países com renda média similar à do Brasil a venda dos elétricos não passa de 1%", destaca Habib, ao citar como exemplos países do Leste Europeu. "Carros elétrico é coisa de país rico ou de importador de petróleo; o Brasil não tem recursos nem para o Bolsa Família", afirma. Mesmo em países mais desenvolvidos, como Itália e Espanha, destaca o empresário, a participação desses modelos gira em torno de 3,5%.
"Ainda é muito cedo para acabar com a isenção de impostos para elétricos carros importados no Brasil", diz o presidente da ABVE, Adalberto Maluf. Segundo ele, é por meio desse estímulo que marcas chinesas, como a Great Wall e a BYD, baseiam planos de produção no país. O dirigente defende aumento gradativo do imposto "a partir de determinado volume de vendas".
A General Motors também é favorável à manutenção da isenção tributária. O presidente da companhia na América do Sul, Santiago Chamorro, diz que o incentivo é necessário para estimular a entrada de tecnologia que baseará, futuramente, a produção local.
Já o presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), Márcio de Lima Leite, acredita que a isenção do tributo pode ter efeito contrário e levar investimentos do setor para outros países. Segundo ele, por isso a entidade reivindica informações do governo para "saber a regra do jogo e qual será a sua duração". Para Leite, a isenção tributária se equipara aos bônus que países como alguns europeus e os Estados Unidos dão para o consumidor trocar o carro por um elétrico. Os bônus, nesses casos, somam mais de US$ 7 mil.
Fonte: Valor Econômico