Agro brasileiro mostra força em meio a crises de escala global
Um dos cenários mais conturbados que poderiam surgir no planeta mostrou o que quase todo mundo já sabia: o agro brasileiro é resiliente. Por isso, passou na prova de fogo, que incluiu uma pandemia, uma guerra com impactos importantes para a produção de alimentos e um mercado internacional turbulento. Mas nada disso abalou o trabalho que produtores, pesquisadores e empresários realizam no campo.
A crise deu mais destaque para um agronegócio pujante, aberto a inovações e capaz de se adaptar às mudanças. A lição será importante, não apenas para que o agronegócio brasileiro continue seu voo de cruzeiro no curto prazo, mas, principalmente, para enfrentar um futuro que, a bem da verdade, já começou.
De acordo com a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), a safra de grãos 2022/2023 pode chegar a 313 milhões de toneladas, um feito inédito, mas que não surpreende. O presidente da Associação Brasileira do Agronegócio (Abag), Luiz Carlos Corrêa Carvalho, atribui o momento a uma colheita de esforços.
“Temos um atestado de capacidade competitiva extraordinário. O Brasil compete sem subsídios, todos os outros [países] são subsidiados, inclusive nossos grandes compradores. Estamos realizando uma colheita dos esforços realizados nos últimos anos: colhendo logística, resultados de pesquisas e desenvolvimento e a expansão da integração lavoura-pecuária-floresta. Caminhamos a passos largos, cortando gargalos de logística e infraestrutura. Olhamos para 2023 com esperança. Caso não aconteça nada de absurdo, teremos um novo recorde”, diz.
Segundo Carvalho, os últimos anos também foram importantes para que os brasileiros urbanos entendessem a importância do agronegócio. Essa compreensão pode ser um ponto de virada para o setor, que ainda patina para comunicar o desenvolvimento que ocorre no campo. “Todo mundo passou a olhar com algum interesse a balança comercial brasileira. Percebeu-se que o agronegócio é o setor que, de fato, tem resultados positivos entre todos os outros. O agro é a grande arma positiva do Brasil.”
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Momento excepcional
Neste ano, a safra poderia ser ainda maior não fosse o clima, de acordo com o sócio da MB Agro José Roberto Mendonça de Barros. Em setembro, a Conab estimou uma colheita de 271 milhões de toneladas. Ele lembra que houve elevação de custos, mas que o indicador veio acompanhado de aumento dos preços, o que levou o setor a ter um faturamento recorde. “A renda agropecuária está estimada em mais de R$ 1,1 trilhão. É um número extraordinário. Então, para quem não teve grandes problemas com clima, concentrados em algumas regiões, os resultados foram positivos.” Em sua opinião, o melhor indicador é a estimativa da Conab.
“Ultrapassar 300 milhões de toneladas de grãos é um marco que pouca gente no mundo é capaz de alcançar.” Apesar disso, ele ressalta, é preciso ter cautela, devido ao risco de La Niña, especialmente na época de enchimento de grãos no começo do ano.
Uma das principais razões dos bons resultados do agro, segundo Mendonça de Barros, foi o cenário que resultou da invasão da Ucrânia pela Rússia. “A guerra deu suporte para preços mais altos, pois a Rússia e seu entorno são importantes na área de insumos. Com o petróleo alto, os fretes continuaram elevados. O cenário criou dificuldades para o setor porque os custos de produção subiram”, afirma.
Nesse contexto, os produtores brasileiros passaram a diminuir o volume de adubos colocado no solo. Ele diz que o solo foi muito bem adubado nas últimas safras porque os retornos eram altos, e isso gerou uma poupança de fertilidade, que agora funciona como defesa de custos. “É possível reduzir a quantidade de insumos sem prejuízos de produtividade.”
O economista diz que não foram apenas as culturas anuais, como os grãos, os beneficiados pelo bom momento. A cana-de-açúcar também vai bem. Ele afirma que, nos últimos anos, foram publica dos estudos que demonstram que a safra, que terminou no final de março, mostrou resultados muito positivos.
“As perspectivas de continuidade desse processo de crescimento são grandes. A FAO, que olha até o ano de 2031,indica que o Brasil terá um aumento na sua importância relativa. O USDA também olha assim. Fora as pessoas, os dois motores mais relevantes no desenvolvimento do agro continuam a ser o desenvolvimento e a aplicação de tecnologias que levam a um aumento persistente de produtividades”, diz. “Além disso, há a multi-integração das cadeias internacionais de suprimentos e alimentos.”
Na visão do economista, o agro continuará a crescer, pois é o grande setor da economia brasileira que se move pela tecnologia e pela produtividade. “É muito mais do que os serviços e a indústria, na média.”
Brasil supridor
Apesar do bom momento e das perspectivas, um dos fatores que podem causar apreensão é a inflação, que já está levando países desenvolvidos à recessão, e o baixo crescimento da China, na visão do professor sênior de agronegócio global e coordenador do InsperAgro Global, Marcos Jank. “No mundo rico, as taxas reais de juros ficaram muito negativas e temos um processo recessivo, ou quase isso, em vários lugares”, diz. A situação pode levar a uma redução dos preços das commodities agrícolas. “Os preços não vão ficar eternamente subindo. Em algum momento eles se acomodam, mas ainda estarão em patamares muito favoráveis à produção brasileira.”
Jank reforça que os problemas recentes mostraram como o país reage rápido a incentivos. Ele também ressalta que países emergentes, como a China, principal parceiro comercial do Brasil, e outras economias emergentes da Ásia vão continuar precisando das commodities que o Brasil produz e exporta. “Soja, milho, carne bovina, açúcar. São todos produtos que a China precisa comprar, pois ela não tem autossuficiência e o Brasil é o seu grande supridor.” Um dos destaques, segundo ele, é a perspectiva de entrada do milho brasileiro no mercado chinês, já autorizada. Ainda que o volume não venha a ser grande, ou não tão grande quanto o da soja, as exportações do cereal representarão mais oportunidades para os produtores rurais.
Mercado de carbono
A pressão ambiental é outra perspectiva certeira para o agronegócio brasileiro em 2023. As discussões realizadas na COP27, realizada em novembro, no Egito, demonstraram isso de forma clara. A produção agropecuária terá de se enquadrar. Ela já vem fazendo isso, é verdade, mas haveria ainda mais avanços com créditos de carbono para o setor produtivo, algo que ainda não está no radar dos mercados, nem mesmo dos internacionais.
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“Não há nenhuma possibilidade de a agricultura receber créditos de carbono aqui no Brasil. Já há crédito de carbono para energia, para desmatamento evitado, para reflorestamento, mas isso ainda não chegou à agropecuária. Tem de haver um sistema em que primeiro a gente resolva o pecado original que temos, que é o desmatamento ilegal, e depois a construção de um mercado de carbono. Esse é o grande desafio do agronegócio nos próximos anos”, afirma Jank.
De acordo com o coordenador do Observatório de Bioeconomia da FGV, Daniel Vargas, a variável ambiental, muito delicada, vai se tornar cada vez mais relevante para a agricultura e a produção de alimentos nos próximos anos. “Nos últimos dois anos, temos visto no mundo uma tendência clara de botar um peso cada vez maior na qualidade ambiental do produto, do alimento vendido no mercado lá fora”, diz.
A pressão, de acordo com Vargas, vem da preocupação com o desmatamento das florestas, na tentativa de evitar que a produção ocorra em áreas desmatadas, mas, também, da preocupação com o saldo de carbono da agricultura, que garante a sustentabilidade na produção, gerando menor impacto sobre o clima e o meio ambiente.
“A tendência é que a atenção para a qualidade verde da produção de alimentos só aumente nos próximos anos. Nós percebemos como a Europa, nesse momento, está aprovando uma lei para tolher a importação de produtos provenientes de áreas desmatadas. Os Estados Unidos debatem o mesmo tema. O Reino Unido também avança com uma lei nessa direção. E agora a China começa a discutir limitações na importação de produtos que venham de áreas desmatadas”, diz.
Tudo isso, segundo ele, cria um ambiente que pressiona o setor financeiro a não colocar recursos em atividades que possam ter altos impactos ambientais. O pacote de exigências ambientais, conforme Vargas, irá impactara maneira como o setor se organiza e produz nos próximos anos. Mesmo com a vasta maioria dos produtores preparados para lidar com elas, outros produtores podem sofrer com as exigências de certificação e rastreabilidade, que tendem a crescer.
Vargas acredita que a pressão ambiental tende a se intensificar no próximo governo. Mesmo sendo um setor integrado às cadeias de comércio internacionalizadas e com uma participação muito intensa na dinâmica comercial externa, a produção de alimentos do Brasil, em particular, o exportado, tem relativa autonomia em relação a circunstâncias políticas locais. “Mas há uma tendência da nova gestão de ser bem mais exigente com o cumprimento de regras ambientais e de padrões sociais da produção. Teremos de ver de que maneira o novo governo deve se posicionarem relação à alocação de recursos e os critérios de organização da economia e do trabalho do Brasil nos próximos anos.
Por Globo Rural, via Portal do Agronegócio