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O futuro do RenovaBio

Não foi só o biodiesel que tomou algumas caneladas do governo federal ao longo de 2022. A Política Nacional de Biocombustíveis (RenovaBio) – principal política para a descarbonização da matriz de transportes do país – também sofreu revezes. Além do adiamento das metas deste ano para setembro de 2023, o Comitê RenovaBio cortou em 16,3% as metas de aquisição de Créditos de descarbonização (CBios) para o próximo ano.

Além disso, o Ministério de Minas e Energia (MME) tentou emplacar uma série de mudanças bastante controversas no programa apenas para recuar poucos dias mais tarde.

RenovaBio e o Futuro do Mercado de Carbono foi o mote do terceiro painel da Conferência BiodieselBR 2022 que reuniu o presidente da Câmara Setorial do Biodiesel e Oleaginosas e superintendente da Ubrabio, Donizete Tokarski; do vice-presidente da Federação Brasilcom, Abel Leitão; e do coordenador de RenovaBio da ANP, Luiz Coelho.

Expansão da oferta

Em sua fala, Luiz Coelho, lembrou que a oferta de CBios deve se expandir bastante no próximo ano, quando será introduzido o modelo da cadeia de custódia de grãos que vai facilitar o processe de certificação das usinas de biodiesel e de etanol de milho. “Isso vai contribuir para a expansão da capacidade produtiva certificada e na quantidade de CBios emitidos”, considerou.

A definição de regras que permitam a comprovação de que o biocombustível fabricado a partir de grãos cumprem as regras do RenovaBio e, portanto, estão aptos a emitir CBios é uma demanda antiga do setor. “Diferente da cana-de-açúcar onde a produção acontece quase toda em áreas próprias ou arrendadas pelas próprias usinas, quem opera com grãos têm cadeias de compra muito complexas”, reconhece.

O resultado é que o setor de biodiesel tem tido dificuldade de fazer suas emissões de CBios deslancharem ficando com uma fatia de aproximadamente 14% do mercado. “[Esse percentual] pode subir com a cadeia de custódia”, diz o servidor da ANP.

Há ainda outras ações que a ANP vem tomando nessa mesma direção como a revisão das Resoluções 791/2019 e 758/2018.

A primeira das duas mudanças vai regulamentar um mecanismo previsto na Lei do RenovaBio que permite que as distribuidoras que fechem contratos de longo prazo com as usinas tenham um desconto de até 20% em suas metas de descarbonização. 

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No segundo caso, serão atualizadas as regras para certificação dos fabricantes e/ou dos importadores dos biocombustíveis vendidos no mercado brasileiro. “A nova resolução dever ser apresentada em breve”, adiantou acrescentando que a agência vem se preparando para elaborar as regras que vão valer para operações de importação de etanol – especialmente dos Estados Unidos. Também será uma oportunidade para rever os valores típicos usados para calcular a quantidade de CBios emitidas por usinas que ainda não contem com dados primários sobre suas matérias-primas.

Embora reconheça que existam dificuldades estruturais que precisam ser resolvidas, Luiz aponta que o RenovaBio tem rodado até melhor do que se esperava. “Poucos acreditavam que teríamos o número de certificações que tivemos logo no começo do programa (...) e temos observado que os produtores que estão fazendo a renovação de suas certificações estão muito mais organizados e conseguindo aumentar suas notas”, elogia apontando que 76% dos produtores de biocombustíveis já estão no programa – 79% das usinas de etanol, 58% dos fabricantes de biodiesel e 60% dos de biometano – o que tem garantido a emissão de aproximadamente 2,5 milhões de CBios por mês.

A negociação dos certificados também não tem enfrentado grandes gargalos sem o acúmulo de estoques de CBios nas mãos dos produtores o que, segundo ele, mostra que o mercado está funcionando como deveria. Além disso, todo o esforço que está sendo despendido no RenovaBio também está gerando um benefício indireto importante: a melhoria dos dados disponíveis sobre as emissões de carbono da agricultura tropical. “Só tínhamos dados de referência para a agricultura do hemisfério norte. Com as informações que estamos colhendo estamos melhorando os dados disponíveis”, diz.

Distribuidores

Representante de 45 distribuidoras de combustíveis regionais que atuam por todo o território nacional, Abel Leitão garante que a Federação Brasilcom é uma apoiadora do RenovaBio, mas ressalta que o programa tem pontos de melhoria que precisam ser endereçados.

Segundo Abel, a Brasilcom firmou um convênio com a Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) para fazer uma avaliação do RenovaBio que constatou alguns pontos de preocupação. Um deles são variações muito bruscas e pouco transparentes nas negociações de CBios na B3. “Alguns desses movimentos tinham razão mercadológica, mas alguns podem ser atribuídos a movimentos especulativos”, diz acrescentando que as conclusões do estudo foram levadas ao MME e acabaram motivando uma ação no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) que está apurando possíveis problemas. “Variações bruscas acabam sendo repassadas no preço do produto. Isso é indesejado no mercado de combustíveis”, prossegue.

Ele lembra também que o mercado de distribuição – e consequentemente o de CBios – é muito assimétrico. “A demanda está concentrada em três distribuidoras que têm três quartos do mercado. Quando o mercado tem assimetrias precisamos de regras para corrigir”, completa.

Entre as mudanças pleiteadas pelas distribuidoras está a criação de um prazo de ‘validade’ para os CBios. “Hoje os ofertantes não têm um prazo para colocar [os CBios] à venda enquanto as distribuidoras têm prazo para cumprir suas metas”, diz.

Risco de colapso

Abel preocupa-se que sem ajustes maiores, o mercado descarbonização possa entrar em colapso. “O nível de metas [das distribuidoras] não conta com um nível correspondente de emissões [de CBios] qualquer mudança maior no mercado de açúcar ou uma eventual quebra na safra de cana pode afetar a emissão de CBios”, avalia cobrando que o governo reduza as metas de descarbonização para as distribuidoras.

Outro problema é o custo que os CBios vinham apresentando para as distribuidoras. Com os títulos chegando a custar R$ 200 a unidade em seu pico, Abel ressalta que isso poderia representar até 15 centavos no custo do litro dos combustíveis o que sobrecarrega financeiramente as distribuidoras menores, podendo levá-las a sair do mercado e aumentando – ainda mais – sua concentração nas mãos dos grandes players. “As distribuidoras do Brasilcom vinham ganhando mercado o que era desejável, mas, nos últimos dois anos, esse processo se inverteu. Em grande parte por causa dos movimentos especulativos com os CBios", alerta.

Para Abel, a criação de regras que aumentem a adesão de usinas de biodiesel ao RenovaBio e melhorias nas notas dos fabricantes seriam positivas. Bem como a criação de regras se permitam que outros créditos de carbono possam ser admitidos no mercado do RenovaBio. “Se temos um colapso previsto precisamos que as metas sejam reduzidas ou que mais emissores entrem”, diz. Além disso, o representante da Brasilcom advoga que a cobrança passe dos distribuidores para as refinarias e importadores de derivados. “Em outros países, os encargos caem sobre o setor de refino ou sobre o de óleo e gás. Só aqui a gente tem essa ‘jaboticaba’ de cobrar sobre a distribuição”, reclama.

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Custo real

Para o representante da câmara setorial do biodiesel, Donizete Tokarski, há problemas em ver no RenovaBio apenas um custo sem olhar a conta completa. “Onde está a contabilidade pública sobre os custos reais dos combustíveis fósseis? E os custos das mortes e hospitalizações causados pela poluição?”, questiona lembrando que o país ainda usa diesel com altos teores de enxofre. “Essa contabilidade apenas financeira não pode ser o único fator para decidir sobre o RenovaBio e biodiesel”, advoga.

Essa contabilidade de curto prazo, segundo Donizete, tem levado o governo brasileiro a pregar sustos de forma contínua nos produtores de biodiesel. “Precisamos de previsibilidade e de segurança jurídica senão os investimentos ficam cada vez mais curtos”, alerta se referindo às reduções na mistura de biodiesel e ao adiamento das metas do RenovaBio. “É como se a gente não tivesse um compromisso. Temos que exigir o cumprimento das políticas públicas”, destaca criticando as mudanças bruscas por meio de decreto ou de decisões do CNPE onde o setor de petróleo tem mais peso.

Como solução, Donizete defende que um maior compromisso em relação às políticas públicas com mais longevidade nas decisões. “Como podemos ter um planejamento da oferta de CBios sem saber qual vai ser a mistura [de biodiesel]?”, questiona apontando que, apesar das incertezas, a Câmara Setorial vem trabalhando numa proposta com novos valores padrão para as matérias-primas usadas na produção de biodiesel. “Ao invés de um valor homogêneo para todo o país, podemos ter valores regionalizados (...) temos informações públicas e imagens de satélite que permitiriam o aumento”, explica acrescentando que a questão da eficiência energética dos motores diesel não é levada em conta nos cálculos do RenovaBio. “Tem que colocar isso na RenovaCalc”, defende.

Por Fábio Rodrigues, BiodieselBR.com, via CanaOnline

 

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