A cana e seu potencial de ser a bola da vez na transição energética
“Decepar a cana; recolher a garapa da cana; roubar da cana a doçura do mel; se lambuzar de mel…” diz uma das estrofes da canção Cio da Terra, letra de Chico Buarque e composição de Milton Nascimento, sucesso da MPB, lançada em 1977 e pioneira na temática ambiental, que até então, estava distante do centro das atenções globais.
Mesmo porque, em 1977, a população mundial estava na casa dos 4,2 bilhões de pessoas, e hoje passados pouco mais de 40 anos, o número de habitantes do planeta duplicou e já somos cerca de 8 bilhões.
Com isso, temas como segurança alimentar e busca de fontes de energias renováveis, vem se impondo na pauta das nações que buscam alternativas para tornar o planeta mais sustentável.
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E assim como na canção, a cana pode ser Raíz dessa nova ordem de transição energética mundial.
“Quando falamos de cana, na verdade, eu estou falando de um potencial de combinação de garantia energética e garantia de alimento que é muito única. A gente usa 1% do território brasileiro para plantar cana e a gente responde por 19% da matriz energética“, destacou a vice-presidente de estratégia, meio ambiente e sustentabilidade da Raízen, Paula Kovarsky Rotta, durante participação no painel “Transição Energética – O que isso significa para o Brasil?”, que ocorreu na quarta-feira, dia 16, no pavilhão brasileiro durante a 27ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP27), como parte do Dia da Indústria na COP27, o Brazilian Industry Day.
Paula Kovarsky
O debate abordou o cenário atual e as perspectivas que apontam para o aproveitamento do potencial brasileiro de geração de energias renováveis e a vantagem competitiva rumo à economia verde.
Também participaram deste painel Julio Meneghini, diretor científico e executivo do Centro de Pesquisa e Inovação em Gases de Efeito Estufa – RGCI Fapesp/Shell; Bárbara Rubim; vice-presidente de geração distribuída da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (ABSOLAR); e Fernanda Delgado de Jesus, diretora Executiva Corporativa do Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP). A moderação foi feita pelo gerente-executivo de Meio Ambiente e Sustentabilidade da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Davi Bomtempo.
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Para Paula Kovarsky, esse movimento global é um reconhecimento e, ao mesmo tempo, uma grande oportunidade, mas com muitos desafios. Segundo ela, é preciso ser capaz de monetizar o atributo renovável de maneira correta, de maneira justa, para criar um círculo virtuoso de investimento. Há um equilíbrio que precisa ser atingido, precisa ser encontrado, mas, de acordo com Kovarsky, “a Raízen encara isso como uma grande oportunidade”.
Fernanda Delgado
Os números explicam por que o Brasil pode ser protagonista, em relação ao potencial energético. 48% da nossa matriz energética é proveniente de fontes renováveis – enquanto o percentual da matriz de países que integram a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) é de 11% e o global é 14% – e uma matriz elétrica predominantemente renovável, cerca de 84%, contra 27% da média mundial.
Segundo Paula, o que falta ao Brasil é permitir que o discurso sobre o uso de energia renovável vá para fora do país. “Acho que o que está faltando para gente é olhar para dentro, mas permitir também que esse discurso vá para fora, porque temos uma oportunidade grande”, ressaltou.
Para ela, existe a necessidade de urgência. “Qual é a solução do presente? É o etanol, no caso do Brasil. Em outros países, pode ser o desenvolvimento do etanol na Índia, como a gente está vendo. Mas como isso avança no tempo? Pensando na nossa jornada, estamos ampliando cada vez a oferta de produtos renováveis dessa mesma cana, desse mesmo hectare”, afirma.
Kovarsky descreve o etanol como o “futuro no presente” pois é possível usar o combustível para promover a descarbonização, pensando nele como uma “fonte de carbono renovável no futuro”. Um exemplo disso seria o uso de carros híbridos, a eletrificação no Brasil pode acontecer de uma outra forma.
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Bárbara Rubim
“Se eu pegar o carro híbrido, que aumenta a eficiência do motor em 30-40%, eu estou, de novo, pegando o mesmo etanol e multiplicando por 30%, aumentando em 30% o potencial de descarbonização dele porque eu estou usando um carro que é mais eficiente. Será que a jornada de eletrificação no Brasil não vai passar, por exemplo, por célula de combustível no futuro, que vai usar justamente o hidrogênio do etanol ou o hidrogênio que a gente produz através da energia renovável que a gente tem?”, questiona.
Para Bárbara Rubim, o Brasil já lidera a transição energética e agora precisa assumir o papel de protagonista perante o mundo.
“Do ponto de vista da transição energética, o Brasil é líder e existe espaço para que tenha o papel de protagonista. Temos que mostrar que conseguimos construir um setor renovável por meio de políticas públicas e que a indústria responde às políticas públicas, e que, por sua vez, a economia responde a esse desenvolvimento”, avalia.
Bárbara apontou ainda que o país precisa de políticas públicas transversais para agregar valores e mostrar isso a outros países. Para ela é preciso iniciar programas de exportação de conhecimento em gestão e desenvolvimento de renováveis. “O desenvolvimento de programas de cooperação que consigam trocar conhecimento, levar e aprender com outros países é essencial para o momento que vivemos hoje”, disse.
Julio Meneghini
Fernanda Delgado concordou, ressaltando que a indústria de óleo e gás realiza contribuições significativas no processo, proporcionando à indústria de renováveis fontes de financiamento, expertise e tecnologia. Nesse contexto, a participação de nossa indústria na discussão se mostra essencial. Ela afirmou ainda que o país precisa construir uma narrativa.
“Temos tudo para ser o grande protagonista em transição energética e deixar esse legado para o mundo. É preciso uma narrativa única para fora do Brasil e uma articulação maior”, disse.
Já para Júlio Meneghini, o país precisa explorar as diversas possibilidades. “O Brasil tem potencial enorme para descarbonizar as operações. Temos um conjunto de oportunidades único no mundo e a questão é sabermos explorar todas essas possibilidades”, argumentou.
Por Andreia Vital, via Jornal Cana