Com alta de commodities, usinas têm desempenho histórico
As usinas sucroenergéticas tiveram na safra 2021/22, concluída em março, seus melhores resultados financeiros em uma década. Aproveitando o ciclo de alta das commodities, que impulsionou as cotações do açúcar e etanol no ano passado, o setor aumentou seu faturamento, expandiu suas margens e reduziu sua alavancagem, o que gerou um fluxo de caixa positivo considerável para o histórico dos últimos anos.
O quadro marca o ápice da recuperação do segmento após a forte crise da última década. Nesse período, quando as empresas do setor amargaram longos períodos de baixos preços e endividamento elevado, quase uma centena de unidades fecharam as portas.
O número que mais representa essa reviravolta é a relação entre a dívida líquida e o lucro antes de juro, impostos, depreciação e amortização (Ebitda) das usinas, que ficou em média em 1,3 vez, o menor múltiplo da série histórica, iniciada em 2013/14. O dado é do Itaú BBA, que levantou os resultados financeiros de 58 grupos do segmento, responsáveis pelo processamento de 60% da cana do Centro-Sul na safra passada. O momento de maior aperto financeiro ocorreu em 2014/15, quando a alavancagem média desses grupos ficou em 4 vezes.
De lá para cá, tanto os ganhos operacionais quanto o endividamento total melhoraram. O Ebitda das usinas analisadas cresceu 11% na última temporada, para R$ 26 bilhões. Em oito safras, o Ebitda triplicou.
No ciclo passado, a dívida líquida total dessas companhias foi a terceira menor do período e ficou em R$ 35,9 bilhões, voltando aos patamares da safra 2016/17. Em relação à safra anterior, a queda foi de 8,7%. Em nove safras, o pior endividamento, de R$ 44,6 bilhões, foi o da safra 2019/20. Em duas temporadas, a dívida diminuiu 20%.
Como o setor teve forte perda de produção, causada pela longa seca e por uma sequência de geadas, que danificaram os canaviais e fizeram a produtividade agrícola despencar, a recuperação dos resultados deveu-se basicamente ao aumento de preços do açúcar no mercado internacional e do etanol no mercado doméstico, diz Guilherme Bellotti, gerente de consultoria agro do Itaú BBA. Ele lembra que a dívida em relação à quantidade de cana processada ficou próxima da média histórica, em R$ 116 de dívida por tonelada de cana moída - nos últimos nove anos, a dívida ficou em uma faixa entre R$ 104 e R$ 138.
As usinas melhoraram até seu fluxo de caixa, mesmo com a ampliação dos investimentos. O fluxo de caixa simplificado dos grupos analisados foi de R$ 6,5 bilhões, o segundo melhor da série histórica. Só não foi maior do que na safra 2020/21, quando o investimento foi significativamente menor.
A recuperação da saúde financeira permitiu às empresas voltar a investir em suas operações, ainda que a maior parte dos recursos continue sendo direcionada para a parte agrícola, com parcelas menores em pequenos projetos eficiência e ampliação industrial. O capex do grupo de usinas na última safra foi o maior em nove ciclos, de R$ 15,7 bilhões, quase 50% maior que o do ciclo anterior.
"Parte do setor tinha ficado para trás em recomposição de lavouras, estava com exaustão dos canaviais ou com depreciação de ativos, de máquinas e equipamentos agrícolas. Agora, houve uma recuperação", disse Bellotti. Para ele, o efeito da inflação sobre o custo com insumos agrícolas deve se refletir mais sobre os balanços da safra atual.
O analista também vê crescimento nos desembolsos em pequenos projetos, como em plantas de processamento de milho anexas às de cana, aumento de capacidade de destilarias e novos projetos de açúcar. Já os aportes em projetos de diversificação, como em biogás e irrigação com vinhaça, estão acontecendo em maior número na safra atual, avalia.
A recuperação geral do segmento já levou a alguns processos de fusão e aquisição, mas ainda não de forma generalizada. A principal transação foi a compra da Biosev pela Raízen. Bellotti diz que havia a expectativa de um aumento nas operações neste ano, mas a mudança tributária que derrubou os preços da gasolina e do etanol azedou o apetite de possíveis compradores.
Para 2022/23, a perspectiva é de que a saúde financeira das usinas permaneça igual ou piore um pouco um pouco. As receitas podem ser afetadas pela queda dos preços do etanol a partir do segundo trimestre da safra e pelo excedente de oferta de açúcar no mundo. Já os custos de produção e financeiro podem subir em virtude das altas taxas de juros. Ainda assim, Bellotti acredita que a recuperação do caixa "é uma grande vacina para possíveis ventos contrários".
Por Valor Econômico, Online