Potencial bioelétrico da cana é subutilizado
Uma das razões de o Brasil ter uma das mais limpas matrizes energética (incluindo combustíveis) e elétrica (apenas fontes de geração de eletricidade) do mundo está nos canaviais. Da criação do Programa Nacional do Álcool (Proálcool) na década de 1970 ao momento atual em que se trabalha no etanol de segunda geração e em novos produtos como o biogás, o setor sucroalcooleiro ganhou espaço na economia. Hoje representa cerca de 45% do total de combustível consumido no Brasil e a bioeletricidade, feita a partir da biomassa advinda da moagem da cana-deaçúcar (bagaço e palha), é uma das cinco principais fontes de eletricidade, com pouco mais de 12 GW de capacidade instalada. Há potencial para muito mais.
Cada tonelada de cana-de-açúcar moída na fabricação de açúcar e etanol gera, em média, 250 kg de bagaço e 200 kg de palha e pontas, o que é utilizado para a produção de eletricidade limpa. Nas contas de Zilmar Souza, gerente de bioeletricidade na União da Indústria de Cana-de-Açúcar e Bioenergia (Unica), para os próximos anos, segundo a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), a fonte biomassa deverá acrescentar 248 MW e 591 MW à matriz elétrica brasileira em 2023 e 2024, representando, respectivamente, 2% e 7% da expansão prevista para a matriz, diminuindo a representatividade da fonte na expansão anual da matriz elétrica brasileira.
Segundo dados da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), o Brasil aproveita menos de 15% do potencial técnico de geração de bioeletricidade e do biogás sucroenergéticos para a rede. "Para reduzir este hiato entre a geração efetiva de bioeletricidade e seu potencial, é importante estabelecermos uma política setorial estimulante e de longo prazo para a bioeletricidade e o biogás", afirma Souza.
Apesar do potencial ainda não utilizado, a eletricidade já movimenta muitos negócios em várias frentes, com muitos grupos se preparando para a potencial abertura do mercado livre de energia elétrica e para a descarbonização de frotas de veículos. Esse cenário é estimulado pelo contexto: o programa RenovaBio, operacional desde 2020, que faz com que as distribuidoras de combustíveis devam adquirir C-Bios para compensar as emissões relacionadas às vendas de combustíveis. O mecanismo do RenovaBio faz com que as usinas mais eficientes sejam capazes de gerar mais C-Bios, o que incentiva os produtores a investirem na maximização de sua produção e eficiência, que pode estimular investimentos em bioeletricidade e etanol de segunda geração.
Um dos principais vetores de investimento é o biogás, um subproduto da produção de etanol. O material orgânico que resta da cana, podendo ser a vinhaça ou a torta de filtro, sofre a ação de bactérias, responsáveis pela geração do biogás. O setor sucroenergético corresponde a cerca de 50% do potencial do biogás que pode ser produzido no Brasil, estimado em 57,6 milhões de m3 /dia.
Novas tecnologias de produção, com o aproveitamento de resíduos como vinhaça e torta de filtro, prometem trazer autossuficiência às usinas de etanol. Com investimento aproximado de R$ 300 milhões, a Raízen investe em sua segunda unidade planta de biogás, a primeira dedicada à produção de gás natural renovável. A produção de etanol a partir de biomassa (bagaço), que também gera vinhaça como resíduo, será destinada à planta de biometano. A totalidade da produção da nova planta foi comercializada para a Yara Brasil Fertilizantes e Volkswagen do Brasil, em contratos de longo prazo. A Lemon Energia, que faz a ponte entre geradores de energia elétrica e pequenas e médias empresas consumidoras que gastam cerca de R$ 500 mensais em energia em um modelo de negócios similar a um clube de assinaturas, fechou em junho sua primeira parceria na área de gás. Ela fez um acordo com a Tereos para fornecer eletricidade gerada do biogás de vinhaça, um resíduo da produção de etanol, a pequenas e médias empresas no interior de São Paulo. A energia vem da produção da planta piloto de biogás da Tereos, localizada em sua unidade industrial Cruz Alta, em Olímpia (noroeste do Estado de São Paulo).
"A planta de Olímpia produz 1 MW ou o equivalente ao consumo de cerca de 85 pequenos comércios, com potencial de duplicar o volume no médio prazo", afirma Rafael Vignoli, sócio fundador da Lemon. Boa parte dos clientes está ligada ao setor de alimentação. "Temos bares, restaurantes, padarias, lojas de conveniência, entre outros. Como a Ambev é um dos nossos grandes parceiros, muitos são pontos de venda que recebem os produtos dela. Temos a meta de levar energia sustentável para 250 mil pontos de venda da fabricante de bebidas até 2025", destaca Vignoli.
Por Valor Econômico, via Cana Online