CBios ajudam a ‘compensar’ queda do etanol
Com as mudanças dos tributos que incidem sobre os combustíveis ainda em curso, e enquanto não ocorre a aprovação a PEC dos Biocombustíveis, os preços do etanol hidratado recebidos pelas usinas caíram ainda mais nos últimos dias. Porém, a perda de receita das usinas está sendo parcialmente compensada pelos Créditos de Descarbonização (CBios), cujos preços dispararam nas últimas semanas.
Há poucos dias, já houve registro na B3 de negociações fechadas por mais de R$ 200 o CBio (que equivale a 1 tonelada de carbono de emissão evitada), valor recorde para os dois anos de existência do RenovaBio. Em janeiro, o CBio estava em R$ 50. A alta desses papéis ganhou tração em maio, quando as discussões sobre a redução da carga tributária avançaram, mas ainda não se debatia a preservação do diferencial tributário dos bicombustíveis, o que levaria à perda de competitividade dos renováveis.
Já o preço do etanol vinha caindo enquanto o projeto de lei complementar 18/2022 ainda era debatido no Legislativo. E, desde que o projeto virou a lei 194/2022, que impôs um teto de 18% à alíquota de ICMS sobre combustíveis e também isentou de PIS/Cofins igualmente os combustíveis, o etanol hidratado que chega às distribuidoras em Paulínia (SP) já caiu 4,5%, segundo o indicador do Cepea/Esalq, alcançando R$ 2.974,50 o metro cúbico nesta quinta-feira. O preço do hidratado pago às usinas paulistas, líquido de impostos, caiu 3,3% na última semana, a R$ 2,9634 o litro.
Mas boa parte dessas quedas vem sendo compensada pelos CBios. Desde o início do ano, o etanol hidratado recebido pelas usinas de São Paulo recuaram R$ 0,39 o litro. Em compensação, o CBio a R$ 200 já oferece um “prêmio” equivalente a R$ 0,24 o litro - ou R$ 0,18 o litro mais alto do que no início do ano, de acordo com cálculos da consultoria StoneX. Dessa forma, os CBios já “amortizaram” 46% da queda do preço do hidratado para as usinas este ano, representando 8% da remuneração final das usinas.
A situação é bem diferente da do ano passado, quando os CBios foram negociados em média por R$ 39. Traduzindo em “prêmio” sobre o etanol, esse preço equivaleu a menos de R$ 0,05 por litro, perto de 1% do preço na época. Para muitos agentes do mercado, o novo patamar de preços do CBio começa a “fazer sentido” enquanto instrumento de estímulo à produção de biocombustíveis.
“O que o RenovaBio propõe é um ativo que aumente a competitividade do biocombustível tanto em relação ao fóssil na bomba quanto em relação ao açúcar [na decisão de mix de produção] na usina. E o valor [do ano passado] era insuficiente para influenciar essa decisão de produção”, observa Boris Gancev, responsável pela mesa de derivativos de commodities e CBios do Santander.
Apesar do efeito “amortecedor” que o CBio vem oferecendo, a remuneração das usinas com o etanol ainda está em declínio, o que tem levado muitas empresas a repensar sua estratégia de produção e venda do biocombustível.
Na Usina Alta Mogiana, a decisão é segurar as vendas do hidratado e focar no cumprimento de contratos de entrega de etanol anidro (aditivo à gasolina), diz Luiz Gustavo Junqueira Figueiredo, diretor comercial. A decisão é semelhante à do grupo São Martinho, que sinalizou na última teleconferência com analistas que seguraria as vendas do hidratado até o início do próximo ano, quando a redução tributária expirar e o Centro-Sul estiver em entressafra.
Mas a estratégia de carregar etanol não é tão simples para todos. Na Jalles Machado, por exemplo, há uma limitação física que forçaria a venda de 10 milhões a 15 milhões de litros nesta safra, segundo afirmou Rodrigo Siqueira, diretor financeiro da companhia, na última teleconferência da empresa.
Executivos de outras empresas observaram, reservadamente, que a estratégia também pode implicar um custo de oportunidade elevado, já que os juros estão altos no momento. Também seria uma exposição a um momento incerto, dado o período de menor consumo de gasolina nos EUA no primeiro trimestre e receios de recessão global. Também permanece a incerteza sobre a redução do IMCS sobre o etanol com compensação da União, prevista na PEC 16.
Há ainda diferentes visões sobre os rumos dos preços dos CBios. Ligia Heise, analista da StoneX, observa que as distribuidoras já compraram 60% dos papéis que precisam comprar neste ano, o que pode indicar uma “redução do viés” de alta neste semestre, diz. Porém, ela acredita que “os patamares altos vieram pra ficar”. Para Gancev, do Santander, o CBio tende a ficar ainda mais caro no próximo ano. “A expectativa é de oferta e demanda mais apertada do que neste ano”.
Valor Econômico