COPACANA – A COPA DO MUNDO DE VARIEDADE DE CANA-DE-AÇÚCAR MOVIMENTA SETOR SUCROENERGÉTICO
As variedades campeãs e destaques do “evento” proporcionarão diversos benefícios para usinas e produtores de cana
Por Renato Anselmi
Fotos: Divulgação William Lee Burnquist
A Copa do Mundo de Futebol acontecerá em novembro e dezembro no Catar, Mas a CopaCana – Copa do Mundo de Variedades de Cana-de-açúcar já rola nos canaviais. O setor sucroenergético brasileiro é o primeiro a sediar essa copa inovadora.
Dez usinas, localizadas nos estados de São Paulo, Minas Gerais e Mato Grosso do Sul, já receberam variedades de cana que são destaques da Argentina, Austrália, África do Sul, Ilhas Maurício e Guatemala. O “evento” promete surpresas e se tornou viável devido à experiência e o empenho de William Lee Burnquist, um “campeão” do setor, que conhece muito bem o potencial e a performance das novidades que surgem no campo.
Engenheiro agrônomo, com longa e bem-sucedida carreira no setor, William traz para o Brasil variedades de cana-de-açúcar desenvolvidas em outros países, que já estão sendo testadas em unidades sucroenergéticas desde o mês de dezembro do ano passado. Para selecioná-las, utilizou alguns critérios. Um deles é procurar locais, onde ocorre o plantio de cana, que estão na mesma latitude do Brasil, pois é provável que essas variedades vão se desenvolver de forma semelhante – explica. “Conversei com pesquisadores de diversos países e já estabelecemos contratos com cinco deles”, comemora.
Segundo ele, a meta é ampliar a participação para aproximadamente vinte países. A expectativa é que ocorra também um aumento na adesão de usinas a esse programa batizado de CopaCana – Copa do Mundo de Variedades de Cana-de-açúcar. “Latitude é o primeiro crivo para selecionar material”, enfatiza. Outro critério é que a variedade seja resistente a doenças e adaptada a solos mais fracos, com problemas de seca, onde o desenvolvimento de cana no Brasil apresenta mais dificuldades.
“Conversei com pesquisadores de diversos países e já estabelecemos contratos com cinco deles”, comemora William
Boyd Biotech - acelera a liberação de variedades que são provenientes de pesquisas realizadas no exterior
Para organizar a CopaCana, William Burnquist criou a Boyd Biotech após a sua saída em 2019 do CTC – Centro de Tecnologia Canavieira, de Piracicaba, SP. O projeto tem despertado interesse, pois acelera a liberação de variedades que são provenientes de pesquisas realizadas no exterior. “A África do Sul tem secas piores do que aqui. Eles são nós amanhã. A gente fica falando que está piorando o clima no Brasil. Estamos procurando locais com climas piores do que o nosso, que cultivam cana com relativo sucesso”, observa.
A inovação da CopaCana é contar com materiais do exterior, escolhidos após muita garimpagem e longas conversas com pesquisadores de outros países. Antes de serem plantadas nas usinas parceiras, elas passam por rigorosa quarentena e são multiplicadas. Todos os anos programas de melhoramento de países participantes fornecerão variedades para serem testadas em solo brasileiro. “Em dois anos, é possível ter uma ideia do potencial desse material. Não há a demora que ocorre no desenvolvimento de uma nova variedade, pois a pesquisa já foi feita no exterior. Com poucos recursos, vamos viabilizar e oferecer um produto inovador e diferente”, afirma.
As “campeãs” e os destaques da Copa do Mundo de Variedades de Cana, ou seja, os que driblarem dificuldades e apresentarem bom desempenho, serão “classificados” para uma nova fase a partir de 2023 ou 2024, quando o material começará a ser disponibilizado para o plantio comercial. A CopaCana terá muitos vencedores – conforme avalia o especialista William Burnquist – que proporcionarão diversos benefícios para unidades sucroenergéticas e produtores de cana.
Outra novidade da CopaCana é o sistema de monitoramento e análise dos resultados em campo
Outra novidade da CopaCana é o sistema de monitoramento e análise dos resultados em campo. William Burnquist trouxe dos Estados Unidos o sistema de fenotipagem digital, que basicamente faz o acompanhamento dos experimentos com drones que capturam informações periódicas sobre o desenvolvimento das plantas. “O sistema permite uma economia de mão de obra na avaliação dos experimentos. É uma metodologia muito mais objetiva do que a gente fazia no sistema de melhoramento tradicional, que tinha muitas verificações subjetivas. Na fenotipagem digital, é possível constatar, com maior precisão, qual a cobertura de determinada variedade na parcela”, compara.
A CopaCana faz parte também da programação da 14ª Megacana Tech Show Brasil – promovida pela Canacampo (Associação dos Fornecedores de Cana da Região de Campo Florido) e Siamig (Associação das Indústrias Sucroenergéticas de Minas Gerais) –, que tem a finalidade de mostrar a importância do mercado da cana-de-açúcar para o agronegócio brasileiro. O evento (online e presencial), que começou em março e termina em novembro, viaja o país com a Megacana TV, que vai ao ar às quintas-feiras, às 19h. Em novembro, no dia de campo de encerramento da feira, será possível conferir ensaio em campo da CopaCana in loco,
Dentro da programação da 14ª Megacana, William levou a CopaCana à usina Petribú em Pernambuco
Rede de contatos - A organização e a realização da Copa do Mundo de Variedades de Cana-de-açúcar no Brasil estão relacionadas à rede de contatos criada por William Burnquist em sua trajetória acadêmica e profissional. Formado em Agronomia pela Esalq/USP, onde também fez mestrado em Genética e Melhoramento de Plantas, ele trabalhou em dois momentos no CTC nos períodos de 1980 a 2010 e de 2012 a 2019 – inclusive no período quando o Centro de Tecnologia ainda estava vinculado à Copersucar –, tendo participado diretamente do desenvolvimento e liberação de variedades importantes de cana-de-açúcar. Nos anos de 2011 e 2012, atuou como gerente geral da filial americana Ceres, que estava interessada em produzir sorgo sacarino para a fabricação de etanol.
Os contatos com estudiosos e especialistas da área já ocorreram na conceituada Universidade Cornell, nos Estados Unidos, onde tornou-se PhD em biotecnologia “A Copersucar me deu oportunidade para que pudesse me especializar ainda mais em melhoramento. Foi um grande aprendizado em uma universidade top americana, que desenvolvia modernas técnicas de biologia molecular aplicadas em outras culturas. Mas, ainda não tinham sido utilizadas em cana-de-açúcar”, conta. A tese dele foi sobre a aplicação de algumas dessas tecnologias em cana. Ele estudou nos Estados Unidos de 1989 a 1992.
William, além de especialista é um amigo da cana-de-açúcar
No Projeto Genoma Cana – financiado pela Fapesp e Copersucar –, que ocorreu na década de 1990, William Burnquist foi coordenador de relações internacionais. Nessa época, liderou também o consórcio internacional de biotecnologia de cana, que contava com a participação de pesquisadores e especialistas do Brasil, Estados Unidos, Guatemala, Colômbia, Equador, Argentina, África do Sul, Austrália, Índia.
“O consórcio permitiu que os países com menos recursos para pesquisa de cana pudessem participar do conhecimento que estava sendo desenvolvido. Foi um período muito bom. Possibilitou que eu criasse uma rede de contatos, que tornou-se muito importante para o desenvolvimento da minha carreira. O meu conselho é que jovens pesquisadores comecem a se relacionar com outros pesquisadores para criar esse network”, enfatiza.
O idealizador da CopaCana participou também ativamente do renomado ISSCT – The International Society of Sugar Cane Technologists, que promove, a cada três anos, um congresso de técnicos e especialistas de países produtores de cana. “Fui membro durante muito tempo e participei do Comitê Executivo do ISSCT por 12 anos. Nesse período trouxemos o congresso para o Brasil. Foi a terceira vez que o evento ocorreu no país. A participação nessa instituição foi também superimportante para networking”, destaca.
A aliada Argentina – No futebol, os “hermanos” argentinos são grandes rivais. Na CopaCana, eles já podem ser considerados aliados estratégicos devido ao fornecimento de materiais que têm potencialmente boas chances de contribuir para o desenvolvimento da cana-de-açúcar no Brasil. Aliás, a boa relação com a Argentina na área de variedades de cana já ocorre desde a década de 1980.
“A NA56-79, que é uma variedade do Norte da Argentina (NA), chegou a ocupar 40% da área de cana de São Paulo nos anos 80. Com elevado teor de açúcar, permitiu antecipar a safra em um ou dois meses. Naquela época, nas décadas de 1970 e 1980, a safra começava praticamente em 1º de junho, o que parece um absurdo nos dias de hoje. Essa variedade possibilitou a antecipação da safra para maio e eventualmente antes”, relata.
A inovação da CopaCana é contar com materiais do exterior, escolhidos após muita garimpagem e longas conversas com pesquisadores de outros países
Apesar do impacto positivo proporcionado por algumas variedades estrangeiras já plantadas no Brasil, há ainda quem questione a utilização desse material no país. “Algumas pessoas dizem que a cana lá fora não é tão importante como no Brasil, que é o rei da cana. O que você está procurando em outros países, que estão mais atrasados nessa área?” – costumam perguntar para William Burnquist.
De acordo com ele, é atrasada a ideia que considera o Brasil o centro do universo nesse setor. É o mesmo conceito ainda utilizado por algumas pessoas no futebol que consideram o Brasil como o melhor do mundo – compara. “Viajei por muitos países e vejo muita coisa boa lá fora”, diz o diretor da Boyd Biotech, referindo-se à qualidade de variedades de cana.
Wiliam assegura que, quando se traz um material de fora, a probabilidade de encontrar variedades diferentes é grande. “Pode ser muito diferente para ruim e muito diferente para bom”, observa. Em sua avaliação dele, os programas de melhoramento genético de cana do Brasil proporcionam atualmente – na maioria dos casos – efeitos incrementais. Mas, não têm apresentado muitas novidades. Os cruzamentos que os programas fazem esse ano não são muito diferentes do ano anterior – opina –, com exceção da pesquisa da área de biotecnologia do CTC, que é outra realidade.
As variedades que estão sendo plantadas na CopaCana têm alta qualidade
Equipe de “craques” - De uma maneira ou de outra, o desenvolvimento e liberação de novas variedades de cana-de-açúcar sempre tiveram grande importância para a história do setor sucroenergético. William Burnquist recorda alguns momentos relevantes proporcionados pela pesquisa de melhoramento genético. Ele entrou no CTC em janeiro de 1980 e participou da liberação da SP 70-1143, que foi a primeira variedade adaptada a solos mais fracos. “Teve grande impacto. Antigamente se plantava em solos bons. Essa variedade permitiu a ampliação da área de cana para locais com solos mais arenosos no Oeste Paulista, o que criou condições para a primeira grande expansão na época do Proálcool”, afirma. Segundo ele, sem materiais com essas características, não haveria a expansão da cana nesse tipo de solo. Diversas variedades foram liberadas com sucesso naquela época, como SP71-1406, SP81-3250, SP80-3280 – exemplifica.
A Copersucar foi também pioneira no desenvolvimento de técnicas de transformação genética de cana. Após a conclusão do programa de PhD nos Estados Unidos, William Burnquist implantou no setor de melhoramento genético uma área específica de biotecnologia “Trouxe para liderar as pesquisas o agrônomo e doutor em Fisiologia Vegetal Eugênio Ulian, que conheci durante o período em que fiz o curso na Universidade Cornell. Esse grupo foi responsável por estabelecer toda a metodologia de transformação genética de cana-de-açúcar, que era uma tecnologia que estava sendo aplicada em outras culturas, como soja e milho. Mas havia pouquíssimas pessoas fazendo isto em cana”, conta.
Com a criação do Projeto Genoma da Cana, o pequeno grupo de pesquisadores do CTC foi multiplicado, passando a contar com participantes em diversas universidades paulistas. O grande interesse e o esforço dos pesquisadores colocaram o Brasil no mapa de projetos de genoma – comenta. “Hoje temos uma quantidade muito grande de pesquisadores que foram formados naquela época”, ressalta. O projeto possibilitou o sequenciamento de genes da cana-de-açúcar, responsáveis pelo teor de açúcar, florescimento, crescimento de raiz, entre outros.
Durante a sua primeira passagem pelo CTC, William Burnquist ocupou alguns cargos, como chefe do setor de melhoramento e coordenador de pesquisa de toda área biológica (melhoramento, fitopatologia, entomologia e biotecnologia). No retorno ao Centro de Tecnologia Canavieira, que passou a ter uma configuração focada em melhoramento e biotecnologia, ele exerceu o cargo de diretor de negócios, participando da liberação das novas variedades CTC – que substituiu a sigla SP.
A primeira cana transgênica foi a CTC20BT, resistente à broca da cana, lançada em 2017
“Fizemos também um esforço muito grande para criar essas variedades de biotecnologia (BT) e colocá-las no mercado. Foi um sucesso muito grande”, recorda. A primeira transgênica foi a CTC20BT, resistente à broca da cana, lançada em 2017. Além da complexidade técnica exigida para o desenvolvimento de uma variedade geneticamente modificada, ocorreram também desafios relacionados à regulamentação – diz –, o que incluiu a necessidade de provar que a nova variedade não causa nenhum contratempo.
Em relação ao convencimento da opinião pública, ele lembra que não houve tanta controvérsia, porque essa discussão já tinha sido feita há alguns anos com a soja e com o milho. “A cana teve que participar desse debate, mas em um grau menor. Na soja, o gene está dentro dela, enquanto o açúcar não tem resíduo nenhum. Mesmo assim é um desafio. Houve necessidade da divulgação de informação cientifica, porque sempre existem fake news nesses casos”, observa.
Entre os diversos momentos importantes como pesquisador, ele cita a necessidade de substituição de variedades afetadas por doenças, como o caso do amarelinho que prejudicou o desenvolvimento de canaviais, atingindo bastante a SP71-6163. No cargo de diretor de negócios, a atuação dele não se restringiu à área técnica. Trabalhou também com as áreas de compliance, opinião pública e até comercial – detalha.
Nascido no Recife, PE, mudou para Piracicaba, SP, na década de 1970, para cursar Agronomia. “Estou na cidade desde aquela época. Casei com Heloisa, tive dois filhos. E, agora, dois netos. A vinda para a Esalq não só me transformou em um agrônomo. Mas, também em um piracicabano”, afirma.
Após terminar o curso de Agronomia, ingressou na Copersucar, onde teve a oportunidade de conviver com uma equipe de craques. “Era uma grande escola”, enfatiza. Segundo ele, entre outros especialistas renomados, o Centro de Tecnologia Copersucar contava com profissionais do gabarito do Alvaro Sanguino, Valdomiro Bittencourt, da Agronomia; Oscar Braunbeck e José Guilherme Perticarrari, da área de engenharia agrícola. “Sem eles, talvez a mecanização não seria o que é atualmente”, comenta. Na área industrial, o CTC contava com Jaime Finguerut (fermentação) e Paulo Delfini (moagem). “Tinha contato com esses e outros profissionais de destaque de diferentes setores. Foi um período de muita interação e aprendizagem”, recorda.
Fonte: CanaOnline