[PARA LER COM CALMA!] POLÍTICAS PÚBLICAS VOLTADAS À MOBILIDADE: OPORTUNIDADE PARA CONTINUAR EVOLUINDO EM TERMOS ENERGÉTICOS E AMBIENTAIS - Por Plinio Nastari
Por sua extensão territorial, infraestrutura de transporte dependente em larga monta no modal rodoviário e relevante produção agropecuária, que demanda combustível para plantio, colheita e transporte, o Brasil está classificado como terceiro maior consumidor mundial de energia para transporte. Entretanto, com uma participação relevante de fontes renováveis graças à participação dos combustíveis de baixa pegada de carbono, os biocombustíveis, no seu mix de energia, ganhos expressivos têm sido obtidos com a baixa emissão de poluentes locais, e baixa emissão de carbono. Para orientar ações nesta área, o Brasil possui quatro grandes políticas públicas na área de energia e meio ambiente voltadas à promoção de maior eficiência energética e ambiental. Essas políticas tem evoluído ao longo do tempo, mas para que seus objetivos sejam atingidos de forma coerente e integrada, é imperioso que estejam alinhadas e sejam convergentes e consistentes entre si.
Este artigo trata da oportunidade de fazer com que alguns elementos dessas políticas evoluam adotando critérios mais abrangentes de análise de emissões de poluentes de impacto local e global, como os denominados critérios "poço-à-roda" ou "berço-ao-túmulo", e ao incorporá-los seja atingida a almejada convergência e atingimento pleno de seus propósitos.
Apesar da dimensão do consumo de energia para transporte, a elevada participação dos biocombustíveis tem assegurado padrões elevados de sustentabilidade
O Brasil é o terceiro maior consumidor mundial de energia para transporte, ficando atrás apenas dos EE.UU. e da China, e à frente da Índia, Japão e Rússia. Isso se deve à sua grande extensão territorial, de 8,51 milhões de quilômetros quadrados, ao fato do transporte ser realizado majoritariamente através do modal rodoviário, e à elevada participação do setor agropecuário na economia, o que demanda um volume considerável de combustíveis para operações de plantio, colheita e transporte.
Apesar de ser player relevante no consumo de energia para transporte, a matriz de energia desse setor é uma das mais renováveis do mundo graças à elevada participação de combustíveis renováveis, através do uso de etanol nos combustíveis do ciclo Otto, do biodiesel no consumo de combustível do ciclo Diesel, e do potencial representado pela nascente indústria do biogás e biometano, que pode elevar consideravelmente a geração de bioeletricidade e substituir óleo diesel no transporte de carga e passageiros, bem como em operações agrícolas. Metade do potencial de geração de biogás no Brasil está associado a resíduos orgânicos gerados pela indústria sucroenergética, responsável pela produção de etanol.
Em 2019, antes da pandemia, a participação do etanol no consumo de combustíveis do ciclo Otto foi de 48,4%, o que representa a proporção de gasolina substituída pelo etanol, em 2020 de 47,0%, e em 2021 de 43,4%. A participação do biodiesel foi fixada pelo governo federal em 10% para o ano de 2022, embora a previsão fosse atingir 14% a partir de 1º. de março deste ano. Em volume, a participação dos combustíveis renováveis na matriz de combustíveis líquidos foi de 32% em 2021.
É a elevada participação de combustíveis renováveis no consumo de combustíveis utilizados em transporte que permitiu ao Brasil substituir 566 milhões de toneladas de CO2 equivalente (CO2e) com a substituição de gasolina por etanol entre 2003, quando iniciaram as vendas de carros flex, e 2020. Que, de forma certificada no âmbito do programa RenovaBio (Plano Nacional de Biocombustíveis), foi alcançada a substituição de 14,5 milhões de toneladas de CO2e em 2020, de outros 24,5 milhões de tons de CO2e em 2021, e projetados 36,2 milhões de tons de CO2e em 2022. De forma acumulada, entre 2020 e 2031, de acordo com as metas de descarbonização aprovadas no âmbito do RenovaBio, serão substituídos um total de 718 milhões de toneladas de CO2e, equivalentes às emissões totais de um ano da França. A título de comparação, em onze anos de operação a nível mundial, os veículos elétricos a bateria da Tesla reduziram a emissão de apenas 3,7 milhões de tons de CO2e.
Considerando as emissões de poluentes objeto de controle local, a elevada octanagem do etanol de 116 AKI (Anti Knocking Index, que reflete a média do levantamento pelos métodos Pesquisa e Motor, (R M)/2), contra uma média de 87 AKI para a gasolina, permitiu ao Brasil com a adição de etanol na gasolina ser, desde a década de 1970, o pioneiro na substituição do chumbo tetra-etila como elevador de octanagem, e ter permitido ao longo de décadas o uso de gasolinas base de mistura com baixos teores de compostos aromáticos, reconhecidos agentes cancerígenos, com grande contribuição à saúde. No que tange à emissão de aldeídos, enquanto a combustão da gasolina gera a emissão de formaldeídos, a do etanol gera acetaldeídos, muito menos tóxicos. O etanol também não contem chumbo ou enxofre, portanto não contribui para a emissão de poluentes relacionados a contaminação por esses elementos, incluindo mas não limitados ao saturnismo e aos efeitos nocivos da chuva ácida.
Um dos indicadores mais conhecidos de poluição atmosférica em grandes centros urbanos é a concentração de material particulado fino, MP2,5, composto por partículas de material sólido ou líquido suspensas no ar, na forma de poeira, neblina, aerossol, fuligem, entre outros, com diâmetro aerodinâmico equivalente de corte de 2,5 microns. Este é um dos seis critérios de poluição do ar rotineiramente medidos, e é comumente aceito como o mais prejudicial à saúde humana devido à sua prevalência no meio ambiente e ampla gama de efeitos negativos para a saúde. MP2,5 é gerado a partir de muitas fontes e pode variar em composição química e física. Os constituintes químicos comuns do MP2,5 incluem sulfatos, nitratos, carbono negro, e amônio. As suas fontes antropogênicas mais comuns incluem motores de combustão interna, geração de energia, processos industriais, processos agrícolas, construção civil e madeira residencial e queima de carvão. As fontes naturais mais comuns são as tempestades de poeira, as tempestades de areia e o fogo.
O MP2,5 é um material particulado que quando inalado é absorvido através dos alvéolos e entra na corrente sanguínea, frequentemente carregando consigo frações de elementos cancerígenos gerados na queima de combustíveis fósseis. As cidades mais poluídas do mundo estão localizadas na Ásia, com índices médios superiores a 100 ?g/m3 de ar, e picos de mais de 1000 ?g/m3 em algumas épocas do ano.
A poluição do ar é considerada a maior ameaça à saúde ambiental no mundo, respondendo por sete milhões de mortes a cada ano em todo o mundo. A poluição do ar causa e agrava muitas doenças, que variam de asma a câncer, doenças pulmonares e doenças cardíacas. O custo econômico diário estimado da poluição do ar foi calculado em 8 bilhões de dólares norte-americanos, ou 3% a 4% do produto bruto mundial. A poluição do ar afeta aqueles que são mais vulneráveis. Estima-se que em 2021 em todo o mundo, as mortes de mais de 40.000 crianças menores de cinco anos estiveram diretamente ligadas à poluição atmosférica por MP2,5. E nesta era de COVID-19, pesquisadores descobriram que a exposição ao MP2,5 aumenta o risco de contrair o vírus e de sofrer sintomas mais graves quando infectados, incluindo a morte.
Em setembro de 2021, a Organização Mundial da Saúde (OMS) divulgou uma atualização oportuna e ambiciosa às suas diretrizes globais de qualidade do ar, quinze anos após a última atualização lançada em 2006. Reconhecendo o impacto significativo da poluição do ar na saúde global, a OMS cortou a recomendação anual de concentração limite aceitável de MP2,5 pela metade, de 10 ?g/m3 para 5 ?g/m3, com o objetivo final de prevenir milhões de mortes.
É relevante notar que a combustão do etanol e biodiesel gera 80% a 90% menos emissões de material particulado do que as da gasolina e diesel. Dados da ANP, Agencia Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis, sobre o consumo de combustíveis por estados e municípios no Brasil apontam que no estado de São Paulo o consumo de etanol anidro misturado à gasolina na proporção de 27% em volume, e de etanol hidratado utilizado pela frota flex, permitiu em 2020 a substituição de 64% de toda a gasolina consumida no estado. No município de Ribeirão Preto, no estado de São Paulo, a substituição foi de 73,2%. No município de São Paulo, Capital foi de 60,8%. É relevante observar que o índice de MP2,5 em Ribeirão Preto foi de 11,8 ?g/m3 e em São Paulo foi de 14,8 ?g/m3, em 2021. Portanto, embora São Paulo seja uma das maiores metrópoles do planeta, com mais de 23 milhões de habitantes e mais de 8,5 milhões de automóveis em circulação, está classificada no ranking mundial de poluição atmosférica por MP2,5 no 1779º. lugar, e Ribeirão Preto está ranqueada na 2694º. posição.
O uso de etanol tem viabilizado o atingimento das metas de controle de emissão de poluentes e de gases causadores do efeito estufa
A Resolução CONAMA no. 3, de 28 de junho de 1990, dispôs sobre os padrões de qualidade do ar, previstos no Programa Nacional de Controle da Qualidade do Ar (PRONAR), definindo (Art. 1º.) como poluente atmosférico qualquer forma de matéria ou energia com intensidade e em quantidade, concentração, ou características em desacordo que tornem ou possam tornar o ar: improprio, nocivo ou ofensivo à saúde; inconveniente ao bem estar público; danoso aos materiais, à fauna e à flora; prejudicial à segurança, ao uso e gozo da propriedade e às atividades normais da comunidade. Essa resolução define padrões de qualidade do ar através de limites de partículas totais em suspensão, fumaça, partículas inaláveis, dióxido de enxofre, ozônio, monóxido de carbono, e dióxido de nitrogênio.
A Lei no. 8.723, de 28 de outubro de 1993, determinou que como parte integrante da Política Nacional do Meio Ambiente, os fabricantes de veículos ficam obrigados a tomar providencias para a redução do nível de emissão de poluentes. Determina ainda que (Art. 11), "o uso de combustíveis automotivos classificados pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) como de baixo potencial poluidor será incentivado e priorizado, especialmente nas regiões metropolitanas".
A Resolução CONAMA No. 491, de 19 de novembro de 2018, estabeleceu novos padrões de qualidade do ar, incluindo chumbo e um detalhamento mais especifico sobre material particulado MP10 e MP2.5.
O uso de etanol, tanto em mistura com a gasolina, quanto usado na sua forma pura, tem viabilizado o atingimento das metas de controle de emissão de poluentes e de gases causadores do efeito estufa, e constitui elemento fundamental da estratégia brasileira de controle de emissão veicular, a nível de poluentes objeto de controle local, e a nível de emissão global de GEE.
Importância da inclusão do conceito da Avaliação do Ciclo de Vida (ACV)
A Avaliação do Ciclo de Vida (ACV) é reconhecida e considerada internacionalmente como a metodologia mais adequada e abrangente de avaliação do impacto ambiental de uma determinada tecnologia para quantificar de forma integral todas as emissões de gases do efeito estufa (GEE) de um produto ou serviço, incorporando todos os recursos utilizados e consumidos e os impactos gerados na sua originação, construção, distribuição, utilização e eventual destinação final. O ciclo de vida inclui todos os estágios consecutivos e encadeados de um determinado sistema de produção, distribuição e utilização, desde a obtenção de suas matérias primas, ou de sua geração a partir de recursos naturais, até o seu descarte.
Existe senso de urgência em todo o mundo em relação à identificação e priorização de estratégias que sejam eficientes do ponto de vista energético e ambiental, sejam passiveis de implementação sem significativas barreiras tecnológicas, sejam acessíveis em termos de custo aos consumidores e que promovam sustentabilidade ambiental no seu sentido mais amplo, e levem em conta todos os impactos relacionados à sua adoção. Por esse motivo, é fundamental a adoção do critério de ACV, para que os instrumentos de Política Pública não direcionem os agentes privados na adoção de soluções parciais, ou incompletas.
É preciso considerar a emissão de GEE em todo o ciclo, desde a produção até o descarte dos veículos, a geração e uso da energia, e a infraestrutura para a sua distribuição
Não basta controlar as emissões do cano de escape dos veículos. É preciso incorporar a avaliação de emissão de poluentes emitidos por processos evaporativos a partir dos sistemas de distribuição e abastecimento nos tanques dos veículos, o que está previsto ser controlado com a introdução de tecnologias de recuperação a partir de 2025. É preciso considerar o impacto ambiental de cada solução tecnológica de combinação de energia e motorização empregada, considerando a avaliação do ciclo de vida no mínimo dentro do conceito "poço-a-roda[1]", idealmente no conceito "berço-ao-tumulo[2]", considerando o impacto ambiental de todo o ciclo de produção dos veículos e seus componentes (incluindo no caso da eletrificação, o das baterias), da geração, distribuição e uso da energia, e o descarte e destinação final dos veículos e seus componentes.
Medições e limites considerados de forma parcial podem implicar em direcionamento equivocado, e contrário aos objetivos preconizados pelas próprias políticas públicas.
[1] O conceito "poço-à-roda" é o conceito de avaliação de ciclo de vida que contabiliza as emissões de gases do efeito estufa advindas dos processos de cultivo ou extração de recursos, produção do energético, seja ele combustível líquido, gasoso ou energia elétrica, sua distribuição, e sua utilização em veículos leves ou pesados de passageiros e comerciais.
[2] O conceito "berço-ao-túmulo" é o conceito de avaliação de ciclo de vida que contabiliza as emissões de gases do efeito estufa advindas de todos os processos de extração de recursos, produção dos veículos e equipamentos utilizados em sua formação, todos os processos de cultivo e extração de recursos para a produção da energia, nas suas formas líquida, gasosa ou elétrica, sua distribuição e utilização em veículos leves ou pesados, de passageiros ou comerciais, e o descarte dos mesmos e dos equipamentos utilizados em sua composição.
A guerra na Ucrânia expos a fragilidade da segurança energética e os riscos ao cumprimento de metas ambientais
O recente conflito no Leste Europeu, com a invasão da Ucrânia pela Rússia a partir de março de 2022, trouxe consigo uma tragedia humanitária e expos ao mundo a fragilidade de questões relacionadas à segurança energética e aos custos econômicos, sociais e ambientais a ela relacionados. Nesse contexto de grande perturbação e incertezas, o fato do Brasil dispor de um sistema de produção descentralizada de energia renovável, que converte energia solar em combustível líquido de alta densidade energética, disponibilizado em um país continental através de uma rede de mais de 41.700 postos de abastecimento, que distribui etanol misturado à gasolina atualmente na proporção de 27% para a gasolina comum, e 25% para a gasolina premium, e etanol puro de forma econômica e segura, com grande vantagem ambiental, gerando emprego e renda em uma virtuosa economia circular, se contrapõe à situação de muitos países. Muitos países, por insegurança energética, estão sendo praticamente obrigados a, no curto prazo, retroceder em seus programas de redução de emissões de GEE, voltando a utilizar energias menos eficientes e mais poluentes, como o carvão mineral e derivados de petróleo como o óleo combustível e diesel.
Etanol está associado ao biogás e biometano
Com os biocombustíveis, o Brasil tem assegurado o abastecimento e a substituição de mais de 40% de sua gasolina e pelo menos 10% de seu diesel, e tem a sua frente o potencial do biogás e biometano, estimado em mais de 120 milhões de metros cúbicos por dia, dos quais praticamente metade -- 56 milhões m3/dia -- advindos da associação com a produção de etanol.
Esse potencial equivale a 44% do consumo de diesel no país. Enquanto, consumidores de boa parte do mundo sofrem o impacto dos elevados preços dos combustíveis fósseis, os consumidores brasileiros tem usufruído a disponibilidade de uma alternativa já disponível e implantada em larga escala, que oferece combustível a preços competitivos e significativamente abaixo da gasolina, para as suas atividades diárias, com segurança energética e ambiental.
Desde 1975, quando foi instituído o Programa Nacional do Álcool (Proálcool), até 2020, o uso do etanol permitiu a substituição de mais de 3,3 bilhões de barris de gasolina, um volume expressivo considerando que as reservas de petróleo e condensados do país somam atualmente 12,7 bilhões de barris, pelo critério SEC, incluindo as reservas do pré-sal. Avaliados a preços do mercado internacional atualizados para moeda de dezembro de 2021, equivalem a uma economia de 607,7 bilhões de dólares, incluindo o custo da dívida externa evitada.
A experiencia brasileira com o etanol e em breve o biogás e biometano em maior escala, mostra ser possível ampliar o uso de combustíveis líquidos de alta densidade energética e baixa pegada de carbono, com maior eficiência energética e menor impacto ambiental, complementando de forma virtuosa combustíveis renováveis e tradicionais, usando a infraestrutura de distribuição já instalada, e promovendo tecnologia local de produção de combustíveis e tecnologia automotiva para uso local e exportação.
As quatro principais Políticas Públicas nas áreas de energia e meio ambiente
Atualmente coexistem quatro grandes políticas públicas nas áreas de energia e meio ambiente, com regulações ou programas implantados para o controle de emissões e a promoção de maior eficiência energética no setor de transporte. Estes programas, entretanto, ainda precisam ser melhor coordenados e tornados coerentes entre si.
Programa Brasileiro de Etiquetagem Veicular, que compõe a Política Nacional de Conservação e Uso Racional de Energia, estabelecida pela Lei no. 10.295, de 17 de outubro de 2001, a fim de promover a mobilidade sustentável, instituindo o marco legal da captura e estocagem de dióxido de carbono. Esse programa precisa incorporar nas avaliações de diferentes motorizações e energia utilizados em transporte, os critérios de analise mais completos, idealmente do "berço-ao-túmulo",
Política Nacional de Biocombustíveis (RenovaBio), estabelecida pela Lei no. 13.576, de 26 de dezembro de 2017. O RenovaBio estabeleceu uma política que visa o atingimento de uma adequada relação de eficiência energética e redução de emissões de gases do efeito estufa na produção, comercialização e uso de biocombustíveis. A descarbonização no setor de combustíveis se dá pela definição de uma meta de redução da intensidade de carbono distribuída entre os agentes encarregados da distribuição dos combustíveis. O cumprimento dessa meta ocorre pela obrigação de aquisição de créditos de descarbonização gerados por produtores de biocombustíveis certificados voluntariamente, segundo critérios internacionais, para obtenção de notas de eficiência energética-ambiental. Todas as avaliações são realizadas seguindo a Avaliação do Ciclo de Vida.
Programa Rota 2030 -- Mobilidade e Logística, definindo requisitos obrigatórios para comercialização e importação de veículos novos, estabelecido pela Lei no. 13.755, de 10 de dezembro de 2018. Esse programa define os padrões de eficiência energética a serem atingidos pela indústria automotiva para a comercialização de veículos leves e pesados. O programa ainda carece da incorporação do vetor ambiental como parâmetro a ser observado na avaliação das tecnologias consideradas mais avançadas.
Programa de Controle da Poluição do Ar por Veículos Automotores (Proconve), instituído para definir os limites de emissão de poluentes de veículos automotores, leves e pesados, a serem cumpridos na sua homologação para comercialização no mercado nacional. Esse programa tem regulado emissões de cano de escape, mas precisa incorporar avaliações mais abrangentes que incluam emissões evaporativas relacionadas aos sistemas de distribuição e revenda de combustíveis, e critérios de avaliação que incluam as emissões de poluentes e de gases do efeito estufa dentro do critério "berço-ao-túmulo".
Ao longo do tempo, esses programas foram sendo desenvolvidos e atualizados, estabelecendo as condições a serem observadas pelos agentes privados envolvidos principalmente na produção e/ou importação de veículos leves e pesados.
O Programa Combustível do Futuro determinou a integração das Políticas Públicas
Através da Resolução No. 7, de 20 de abril de 2021, o CNPE aprovou a criação do Programa Combustível do Futuro, com o objetivo de propor medidas para incrementar o uso de combustíveis sustentáveis e de baixa intensidade de carbono. NO seu Art. 2º., Inciso I, a resolução estabeleceu como diretriz estratégica "a integração de Políticas Públicas afetas ao programa". No Inciso II do mesmo Artigo, a resolução prevê "promoção da redução da intensidade média de carbono da matriz de combustíveis, da redução das emissões em todos os modos de transporte, e do incremento da eficiência energética", e no Inciso III a "avaliação de eficiência energético-ambiental por meio de análise do ciclo de vida completo (poço-a-roda) nos diversos modos de transporte."
A resolução estabeleceu, através do Artigo 3º., que cabe ao Comitê Técnico Combustível do Futuro propor medidas para a integração entre o Política Nacional de Biocombustíveis (RenovaBio), o Programa Nacional de Produção e Uso de Biodiesel (PNPB), o Programa de Controle da Poluição do Ar por Veículos Automotores (PROCONVE), o Programa Rota 2030, e o Programa Brasileiro de Etiquetagem Veicular (PBE Veicular), e o Programa de Racionalização do Uso dos Derivados de Petróleo e Gás Natural (CONPET).
Portanto, com a instituição do Programa Combustível do Futuro, foi reconhecida a importância e estabelecida a necessidade de haver a integração das Políticas Públicas relacionadas a temas de energia e meio ambiente.
Para continuar evoluindo de forma integrada, o PROCONVE precisa revisar parâmetros da fase L8
Em 2018, o PROCONVE atualizou os limites de emissão a serem observados na homologação de veículos, definindo as fases L7 e L8, para veículos leves. A fase L7, com vigência a partir de 2022 define que para todos os modelos de veículos.
A emissão dos hidrocarbonetos passa a ser medida e reportada como NMOG, sigla em inglês para gases orgânicos não-metano (non-methane organic gases). Assim, passam a ser contabilizadas as emissões de hidrocarbonetos totais, aldeídos e etanol, corrigidos pela sensibilidade do equipamento de medição para cada um desses compostos.
Eliminou-se a permissão que havia de se descontar 100% da emissão de etanol nçao queimado nos veículos flex quando abastecidos com etanol, na fase inicial do ciclo de homologação.
A grande contribuição do L7, segundo a CETESB, órgão de controle ambiental do governo do estado de São Paulo seria um melhor controle de emissões evaporativas. Segundo a agencia, "... nesta fase não é esperada uma redução considerável na emissão de poluentes pelo escapamento, entretanto teremos significativos avanços no controle das emissões evaporativas" (Cetesb).
No entanto, deve-se observar que a emissão evaporativa do etanol é significativamente menor do que a da gasolina -- o RVP (Reid Vapor Pressure) do etanol é 2,1 psi, libras por polegada quadrada), e o da gasolina é de 8 a 10 psi. A desconsideração da diferença qualitativa entre o etanol e outros hidrocarbonetos emitidos principalmente pela combustão da gasolina trouxe uma restrição considerável para a viabilidade da tecnologia de veículos flex adotada no país a partir de 2003.
O etanol, biocombustível de baixa pegada de carbono largamente utilizado há mais de quatro décadas no Brasil como símbolo maior de alternativa viável aos combustíveis fósseis, corre o risco de não ter mais reconhecida a sua grande vantagem ambiental, através de uma instrução normativa do Ibama -- Instrução Normativa IN no. 21, de 14 de dezembro de 2021 --, que altera os padrões de reatividade média com validade a partir de 2025, para a oitava fase do Programa de Controle de Emissões Veiculares para veículos leves, o Proconve L8, com metas crescentes de redução de poluentes até 2029. Isso ocorre porque o L8 prevê corte drástico de formação de ozônio (O3) causado por gases emitidos por motores a combustão, e a queima do etanol tem potencial maior do que o da gasolina para elevar o ozônio (O3) na atmosfera baixa.
A nova normativa introduz limites extremamente restritivos de emissões de hidrocarbonetos NMOG em conjunto com NOx, que podem aumentar a formação de ozônio, e penaliza em particular os fatores de reatividade do NMOG para veículos abastecidos com etanol.
O Proconve L6 já definia um limite a ser observado para emissão de NOx NMOG de 130 mg/km, muito próximo ao altamente restritivo limite da norma europeia EURO 6, com 128 mg/km.
O Proconve L7, que entrou em vigor a partir de 2022, estabelece para veículos leves de passageiros emissão máxima de 80 mg/km para NOx NMOG, mas quando o L8 começar a vigorar em 2025 esse limite cairá para 50 mg/km nos primeiros dois anos, e depois será baixado sucessivamente para 40 mg/km, e 30 mg/km de 2029 em diante. Inúmeros alertas tem sido emitidos por vários representantes do setor automotivo indicando que não existe tecnologia atualmente disponível que permita o atingimento das metas preconizadas pelo Proconve L8, e sua adoção poderá trazer impacto negativo ao meio ambiente num sentido mais amplo.
Além disso, nenhuma consideração está sendo dada para o fato que:
O etanol substitui aromáticos cancerígenos (complexo BTX, Benzeno-Tolueno-Xileno) tanto em mistura na gasolina quanto no seu uso como combustível puro;
A combustão do etanol forma acetaldeídos, muito menos tóxicos do que formaldeídos emitidos pela gasolina;
Os hidrocarbonetos emitidos pelo etanol são em grande parte não-reativos, enquanto os da gasolina são altamente reativos para a formação de smog fotoquímico e outros poluentes secundários.
O etanol não contém enxofre, chumbo ou outros metais pesados, portanto não contribui para a formação de chuva ácida e para os efeitos nocivos da contaminação com metais pesados.
O etanol praticamente não emite material particulado (MP5), grande causa da perda de qualidade do ar (AQI).
Mesmo que o procedimento de teste de bancada considere o efeito da partida a frio nas emissões de HC, os limites do L8 são impeditivos para os veículos "flex" mesmo com novas tecnologias.
Os novos limites de NOx NMOG preconizados pelo Proconve L8 são muito mais restritivos do que os limites da altamente restritiva norma europeia EURO 6, que estabelece limite de 128 mg/km.
Portanto, fica claro que para que os veículos flex permaneçam viáveis, os parametros do Proconve L8 introduzidos pela IN 21 do Ibama precisam ser reconsiderados.
Além disso, é fundamental que sejam incluidos criterios que levem em conta, de forma detalhada: (a) o computo das emissões evaporativas de NOx NMOG durante todo o processo de distribuição e abastecimento dos veiculos; (b) as diferenças qualitativas de emissões de etanol e hidrocarbonetos, aldeidos (acetaldeidos e formaldeidos), e emissões de gases do efeito estufa numa avaliação de ciclo de vida, idealmente pelo criterio "berço-ao-túmulo".
Rota 2030
Para o Programa Rota 2030, é preciso incorporar metas ambientais de redução de GEE, no conceito poço-a-roda ou berço-ao-túmulo, às metas de aumento de eficiência energética. Atualmente, o programa Rota 2030 trata apenas de emissões no conceito "tanque-a-roda", que considera somente as emissões de cano de escape.
Sem a integração das políticas, e ao mantermos dispositivos que miram de forma simplista e pouco abrangente apenas as emissões de cano de escape, corremos o risco de incorporar modelos de políticas na área da mobilidade desenvolvidos em países onde não está disponível ou há a possibilidade de produção, distribuição e uso de energia limpa para transporte como a materializada pelo etanol, que desconsideram a enorme vantagem económica e ambiental que o Brasil possui com os biocombustíveis em geral, etanol, biodiesel, biometano e bioquerosene.
Portanto, para que as políticas públicas nas áreas de energia e meio ambiente relacionadas à energia para transporte e à mobilidade continuem evoluindo de forma integrada, coerente e consistentes entre si, objetivando atingir padrões adequados de eficiência energética e controle de emissão de poluentes locais e de gases causadores do efeito estufa, recomenda-se que nos programas Rota 2030 e Proconve sejam considerados critérios de avaliação do ciclo de vida, preferencialmente no conceito "berço-ao-túmulo".
No caso específico do Proconve, recomenda-se que a regulação evolua na direção de incorporar o objetivo de incluir o controle de emissões evaporativas, nos processos de geração, distribuição e abastecimento, e o controle de emissões de gases causadores do efeito estufa numa visão mais ampla de ciclo de vida pelo menos pelo critério "poço-a-roda", idealmente pelo critério "berço-ao-tumulo".
Além disso, é fundamental que além de estarem coordenadas as Políticas Públicas tenham como elementos primordial a visão e a garantia de manutenção da sua orientação geral no longo prazo, sem o que não haverá ambiente necessário ao investimento privado de risco.
*Plinio Nastari
Presidente do IBIO, Instituto Brasileiro de Bioenergia e Bioeconomia, e da DATAGRO, foi presidente do Conselho da AEA, Associação Brasileira de Engenharia Automotiva, e representante da Sociedade Civil no CNPE, Conselho Nacional de Política Energética, no período de novembro de 2016 a agosto de 2020.
*Texto originalmente publicado no portal DATAGRO