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ARTIGO - ETANOL VOLTA A SUBIR DE PREÇOS -- POR MARCOS FAVA NEVES

Na cana, com a nova safra se aproximando e as operações no ciclo atual praticamente finalizadas, a União da Indústria da Cana-de-açúcar (Unica) aponta que a moagem acumulada alcançou 521,78 milhões de t até 1 de março, queda de 12,9% em comparação com o mesmo período do ciclo passado. Até a segunda quinzena de fevereiro, nove unidades produtoras estavam em operação, segundo a Unica, sendo uma usina de cana-de-açúcar, seis usinas "full" de etanol de milho e outras duas unidades "flex".

Já o teor de Açúcares Totais Recuperáveis (ATR), que indica a qualidade da matéria-prima, alcançou 142,9 kg/t, valor que é 1,5% menor que o registrado no ciclo passado. Já o mix de produção segue em 45,08% para o açúcar e 54,92% para o etanol. A eficiência produtiva do etanol cresceu 0,2% neste ciclo, e está em 46,0 litros de etanol por t de cana; enquanto que a do açúcar caiu 3,9%, com valores em 61,4 kg de açúcar por t de cana.

Com um cenário de boa pluviosidade entre outubro de 2021 e fevereiro deste ano, a StoneX estima que a moagem de cana para o ciclo 2022/23 deva totalizar 565,3 milhões de t, 7,6% superior ao valor do último ciclo. Assim, a produção de açúcar deve crescer no mesmo patamar, chegando a 34,5 milhões de t; enquanto que no etanol devemos produzir 25,5 bilhões de litros ( 5,6%). O mix está estimado em 45,5% para o adoçante e 54,5% para o biocombustível. Já a consultoria Datagro estima uma moagem total de 562 milhões de t de cana em 2022/23, com viés de baixa, devido a possibilidade de queda na pluviosidade nos próximos meses.

A conjuntura da guerra entre Ucrânia e Rússia, com a elevação dos preços de petróleo, deve gerar interferências no mix de produção das usinas brasileiras. Com um reajuste no preço da gasolina de quase 19% anunciado pela Petrobrás, o preço do etanol também deve apresentar tendência de alta, favorecendo-o frente ao açúcar.

A Paragol Global Markets indicada que 2,5 milhões de t de açúcar podem ser "transferidas" para etanol, caso a relação se mantenha positiva para o biocombustível.
O Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) apontou que diversas regiões produtoras do Centro-Sul, incluindo os estados de São Paulo, Paraná, Mato Grosso do Sul e Minas Gerais, devem ter chuvas em menores níveis nos próximos meses, o que deve prejudicar a produtividade da cana-de-açúcar. Segundo o órgão, mesmo em meses em que a pluviosidade já é menor, como junho e julho, a tendência é que os níveis fiquem abaixo da média histórica e durante um período crítico para o desenvolvimento do canavial.

A cana-de-açúcar foi responsável por quase 80% da bioeletricidade ofertada à rede de energia em 2021, de acordo com a Unica. Além da cana, destacam-se outras fontes como o licor negro (subproduto da indústria de papel e celulose) com 11,9% e o biogás com 4,5%. A geração total de bioeletricidade somou 25,4 GWh em 2021 e representou 4% da matriz brasileira. Grande protagonismo da cana em um ano de pouca água nos reservatórios de hidroelétricas.

No açúcar, desde o início da safra (1° de abril) até o dia 1 de março, a produção acumulada alcançou 32,03 milhões de t, uma queda de 16,2% frente ao mesmo período do ciclo passado, quando entregamos 38,2 milhões de t. Este valor deve se manter até o início do próximo ciclo, já que, segundo a Unica, não foi registrada a produção do adoçante na segunda quinzena de fevereiro; o que indica que não há unidades produtoras de açúcar em operação.

Para o próximo ciclo, que se inicia em abril, a consultoria Datagro estima uma produção de açúcar em torno de 33 milhões de t, 2,8% maior que a do ciclo atual. A expectativa inicial era maior, mas as novas preocupações com o clima na região Centro-Sul fizeram com que a oferta fosse revista. Segundo a consultoria, o mix de produção deve ficar em 44,7% para o açúcar, contra 44,9% de 2021/22. Em âmbito global preveem a oferta de açúcar da Índia em 33 milhões de t no ciclo 2021/22, com exportações em níveis elevados, em torno de 8 milhões de t. Graças a oferta elevada do adoçante no país asiático e também no Brasil -- os dois principais produtores -- a consultoria prevê um superavit de 1,15 milhão de t no ciclo 2022/23, ante um déficit de 1,2 milhão de t em 2021/22.

Segundo a Associação de Usinas de Açúcar da Índia (ISMA), a produção do adoçante no país atingiu 22,09 milhões de t entre 01 de outubro e 15 de fevereiro (safra 2021/22), contra 20,09 do ciclo passado; ou seja, alta de 5,64%. 516 usinas estavam em operação com a moagem de cana-de-açúcar no país asiático, até a segunda quinzena de fevereiro. Até o final do ciclo, a estimativa do ISMA é de oferta total de 31,45 milhões de t de açúcar na Índia, alta de 0,9%.

Quanto às exportações da Índia, estas seguem em ritmo acelerado. As altas nos preços globais de açúcar motivaram o fechamento de novos contratos para embarque de 550 mil t na primeira quinzena de março. Durante o ciclo 2021/22, 6,4 milhões de t já estão contratadas tendo a Índia como origem. Há estimativas que esse valor possa chegar a 7,5 ou 8 milhões de t até o final do ciclo, superior às 7,2 milhões de t que foram recorde para o país.

Uma pesquisa da Reuters apontou que os preços do açúcar bruto devem terminar 2022 a US$ 17,8 cents/libra-peso, 5,7% inferior àquele obtido no final de 2021. Já para o açúcar branco, os preços estão avaliados em US$ 476/t para o final do ano, 4,2% menores. Isso porque é esperado um superávit de 750 mil t no ciclo 2022/23, enquanto que na temporada passada houve déficit de 1,25 milhão de t.

Em relação as negociações, as usinas brasileiras fecharam quase 3 milhões de t de açúcar em janeiro, do volume que será produzido no ciclo 2022/23; dados da Archer Consulting. O preço médio ficou em R$ 2.336 por t (FOB Santos). Com isso, 16,3 milhões de t do adoçante já foram negociados para o ciclo 2022/23.

Segundo a Archer Consulting, a fixação de preços do açúcar brasileiro para exportação alcançou 76,75% do volume esperado de embarques do ciclo 2022/23, o que equivale a 19,5 milhões de t. No mesmo período do ano passado, esse valor era de 85,8%. Ainda segundo a consultoria, o valor médio de fixação até agora é de US$ 16,90 cents/libra-peso ou R$ 2.178/t FOB em Santos. Já com relação à safra 2023/24, estima-se que 14% dos contratos já estejam fechados.

No etanol, no acumulado da safra 2021/22, desde abril, a produção alcançou 27,2 bilhões de litros, crescimento de 8,9% em comparação com o mesmo período do ciclo passado. Deste total, 10,9 bilhões de litros foram do etanol anidro ( 12,4%) e outros 16,26 bilhões de litros do hidratado (-19,08%). O milho contribuiu como matéria-prima para a produção de 3,2 bilhões de litros do biocombustível até aqui, crescimento de 37,2% e representando 11,8% de toda a oferta em 2021/22.

Em relação as vendas, em fevereiro, 1,11 bilhão de litros do hidratado foram comercializados no mercado interno, queda de 28,8% na comparação com o mesmo mês de 2021. Ainda assim, os volumes são 26,2% maiores que os de janeiro, o que indica uma recuperação no consumo do biocombustível. Já as vendas do anidro cresceram 14,6% em fevereiro deste ano, com 842,0 milhões de litros comercializados. No acumulado da safra, já foram vendidos 24,9 bilhões de litros de etanol (- 12,1%), sendo 9,92 bilhões de litros do anidro ( 7,1%) e 15,04 bilhões do hidratado (- 21,4%).

Do total vendido de etanol até aqui, o mercado externo somou 1.424,0 mil litros, queda de 43,8% no comparativo com o mesmo período da safra passada; resultado da menor oferta total do biocombustível, graças às dificuldades com a produção no campo (clima e outros). O restante, 23,53 bilhões de litros, foram comercializados com o mercado interno; redução de 8,9%.

Para o etanol, a consultoria Datagro prevê uma produção de 29,8 bilhões de litros em 2022/23, alta de 7,6% frente aos 27,7 bilhões de litros do ciclo anterior; já incluindo o etanol de milho. Entretanto, um fator determinante para este cenário é a incerteza sobre a política de preços de combustíveis no Brasil, o que pode afetar diretamente o consumo dos combustíveis e alterar a dinâmica de produção nas usinas.

Com planos de elevação da mistura de etanol à gasolina para 20%, o biocombustível produzido a partir de milho deve ganhar espaço em terreno indiano. São 196 os projetos de destilarias de grãos no país, podendo adicionar uma capacidade de 8,59 bilhões de litros. Atualmente, a Índia possuí 239 unidades de etanol a partir da cana com capacidade de 5,25 bilhões de litros e 113 de milho com capacidade de 2,58 bilhões de litros. Dentro do novo cenário, a produção do biocombustível advindo do cereal pode superar o da cana. A notícia boa é eles precisarão de milho, oportunidade para nosso cereal!

A Stellantis, detentora da Fiat, Peugeot, Citroen, além de outras marcas, está planejando lançar um veículo híbrido, movido à energia e etanol, no mercado brasileiro até 2025. Com a relevância do biocombustível no território nacional, as apostas estão no desenvolvimento de uma tecnologia que atenda as especificidades do mercado brasileiro. A companhia ainda prevê o lançamento de outros 15 modelos sob suas diferentes marcas, sendo sete deles híbridos, além da introdução de uma nova marca.

As pressões ambientais e o alinhamento com a agenda sustentável veem impactando até os grandes petroleiros. A Chevron, uma das maiores do mercado americano, concluiu um acordo de aquisição da Renewable Energy Group, uma das mais importantes produtoras de biodiesel dos Estados Unidos, por cerca de US$ 3,1 bilhões. A companhia ainda declarou que pretende investir US$ 10 bilhões até 2028, de modo a reduzir suas emissões de carbono.

Para concluir, os cinco principais fatos para acompanhar em abril na cadeia da cana:

1. Observar as previsões para o clima nos próximos meses, torcendo para que tenhamos um bom regime de chuvas sobre as lavouras na região Centro-Sul.
2. Impactos da guerra entre Rússia e Ucrânia nos preços globais do petróleo (Brent chegou a US$ 123/barril em 8 de março, mas estavam ao redor de de US$ 108/barril no fechamento desta coluna) e como consequência nos preços e consumo de combustíveis no Brasil. Aparentemente a demanda por etanol deve ser favorecida, especialmente com o início da safra e aumento da oferta, que deve sustentar bons preços.
3. Políticas públicas para redução nos preços dos combustíveis e como estas medidas podem afetar o consumo do etanol e de outras fontes energéticas.
4. Evolução dos preços e da negociação do açúcar em Nova York. Neste ano, as vendas do adoçante estão mais lentas, uma vez que as usinas estão observando toda a situação dos combustíveis e as possibilidades de boas margens no etanol; o mix de produção pode ser alterado, nesse contexto. No fechamento desta coluna, os preços do açúcar em NY estava em 18,66 cents/libra peso.
5. As incertezas em relação à disponibilidade e custos dos insumos. Levando em conta todo o cenário de baixa nas chuvas, a nutrição dos canaviais é um ponto-chave para boa performance produtiva em 2022/23. É essencial calcular as relações de troca e até mesmo buscar alternativas para o manejo.

Valor do ATR -- fechando nossa coluna com a análise do ATR (Açúcar Total Recuperável). Durante o ciclo 2021/22, que está quase finalizado, vimos o seguinte cenário: em abril iniciamos a safra com preços em R$ 1,0141/kg; um mês depois, fomos para R$ 1,0564/kg; em junho alcançamos R$ 1,0630/kg; julho em R$ 1,0878/kg; agosto fechou com média de R$ 1,1425/kg; setembro em R$ 1,2090/kg; outubro com R$ 1,2938/kg; novembro, R$ 1,3727; dezembro ficamos em R$ 1,3264; janeiro fechamos em R$ 1,3058/kg; e nos dados recém divulgados, referentes ao mês de fevereiro, os preços ficaram em R$ 1,1746/kg. Com isso, o acumulado da safra ficou em R$ 1,1931/kg. A tendência é ficarmos próximos de R$ 1,20/kg com o comportamento dos últimos 2 meses do ciclo atual. Vamos seguir acompanhando!



*Marcos Fava Neves é Professor Titular (em tempo parcial) das Faculdades de Administração da USP em Ribeirão Preto e da EAESP/FGV em São Paulo, especialista em planejamento estratégico do agronegócio. Acompanhe outros materiais na página DoutorAgro.com, no canal do Youtube e no MarketClub Sicoob Credicitrus, a quem agradeço ao apoio para elaborar este texto, bem como a co-autoria do Vitor Nardini Marques e Vinicius Cambaúva.

 

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Fonte: Marcos Fava Neves

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