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PARA LER COM CALMA! - O INÍCIO DA ERA DA EDIÇÃO GENÔMICA - POR HUGO BRUNO CORREA MOLINARI

Nos últimos 25 anos, a adoção de técnicas biotecnológicas inovadoras tem impactado positivamente diversos setores do agronegócio brasileiro. A agricultura tem sido beneficiada com ganhos na produtividade e eficiência no uso de recursos agrícolas, relacionados, por exemplo, com a redução na aplicação de defensivos por hectare e a diminuição das perdas em virtude do ataque de insetos-praga, entre outras vantagens. Essas ferramentas biotecnológicas são amplamente empregadas nas culturas de soja, milho e algodão no Brasil, correspondendo a 95% da área total cultivada.

Apesar do domínio em biotecnologia das grandes multinacionais nas principais culturas, na cana-de-açúcar, o cenário para uso de traits biotecnológicos consagrados só começou a mudar a partir do lançamento de uma variedade comercial transgênica resistente à broca-da-cana, desenvolvida pelo Centro de Tecnologia Canavieira -- CTC, em 2017.

Nos últimos anos, uma grande revolução tem acontecido na área de melhoramento genético por biotecnologia, com o desenvolvimento da técnica de edição de genomas pelas Dras. Emmanuelle Charpentier e Jennifer Doudna, premiadas com o Nobel em 2020. Vários centros de pesquisa no mundo têm estudado a técnica de edição genômica CRISPR/Cas para aplicação em diferentes culturas, pois apresenta inúmeras vantagens - a principal delas é o fato de não gerar organismos transgênicos.

Afinal, o que é edição genômica? O genoma de uma planta ou de outro organismo possui informações que são hereditárias, ou seja, passadas de pai para filho. Essas informações podem sofrer alterações com o tempo por uma série de fatores e que, depois, podem ser passadas para próxima geração. Essas alterações são chamadas de mutações e são um processo natural.

No caso do melhoramento genético clássico, as mutações, quando resultam em características desejáveis, são utilizadas em cruzamentos para gerar organismos melhores. No caso da edição genômica, é possível se utilizarem tesouras moleculares, a grande descoberta das laureadas Emanuelle Charpentier e Jennifer Doudna, para cortar o DNA, de forma precisa e no local específico e gerar um organismo melhorado, muito semelhante ao processo que ocorre na natureza.

A técnica de edição genômica tem ganhado cada vez mais espaço na pesquisa agrícola, e, apesar de ser uma descoberta recente, ela tem promovido resultados surpreendentes e está sendo incorporada a várias culturas para melhorar diversas características, como tolerância a estresse abiótico, resistência a herbicidas, melhoria de características nutricionais, entre outros.

Além dos ganhos com o melhoramento de uma cultivar/variedade, a obtenção de um organismo editado e, portanto, não transgênico, traz uma implicação de grande relevância para a pesquisa brasileira: a eliminação das etapas de aprovação regulatória, normalmente exigidas para os organismos geneticamente modificados. Essas etapas podem consumir recursos na ordem de 30-60% dos custos para a geração de uma nova variedade que, muitas vezes, são proibitivos para instituições públicas de pesquisa e pequenas empresas.

Dessa forma, a tecnologia de edição genômica pode oferecer uma drástica redução de custos relacionados à geração de variedades com novos traits de interesse, em comparação com o melhoramento genético convencional ou com a transgenia. A adoção dessa tecnologia torna o mercado de cultivares/variedades mais justo e competitivo, uma vez que empresas públicas e nacionais estarão em condições de participação em cenários semelhantes, dependentes apenas do investimento em Pesquisa e Desenvolvimento.

No contexto da agricultura brasileira, é fundamental que empresas públicas incorporem a tecnologia CRISPR/Cas de edição de genomas aos programas de melhoramento genético, seja ele vegetal, animal ou de microrganismos. Essa tecnologia é revolucionária por sua precisão, rapidez e, principalmente, pelo baixo custo.

Na Embrapa, a partir do momento que a técnica de edição genômica ganhou destaque no cenário da pesquisa mundial, o tema tem sido discutido de maneira aprofundada. A diretoria executiva da Embrapa promoveu o desenvolvimento de projetos com a tecnologia CRISPR/Cas, por meio de edital comissionado com foco em edição genômica, e, desde 2018, a Embrapa Agroenergia juntamente com a Embrapa Soja, Embrapa Milho e Sorgo, Embrapa Arroz e Feijão e UMiP GenClima vêm desenvolvendo o projeto CRISPRevolution, para produção de variedades/cultivares de cana-de-açúcar, soja, milho e feijão editadas em relação a diversas características de interesse.

Os primeiros eventos editados aprovados na Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), no dia 10/12/2021, foram as variedades Cana Flex I e a Cana Flex II, que apresentam, respectivamente, maior digestibilidade da parede celular e maior concentração de sacarose nos tecidos vegetais. A Cana Flex I é fruto do silenciamento do gene responsável pela rigidez da parede celular da planta. Essa estrutura foi modificada e apresentou maior "digestibilidade", ou seja, maior acesso ao ataque de enzimas durante a etapa da hidrólise enzimática, processo químico que extrai os compostos da biomassa vegetal. Já a segunda variedade, Flex II, foi gerada por meio do silenciamento de outro gene nos tecidos da planta, que ocasionou um incremento considerável na produção de sacarose. Os materiais Flex I e II editados estão em fase de multiplicação em casa-de-vegetação e, após a aprovação na CTNBio, serão plantados a campo.

Em relação à cana-de-açúcar, cabe ressaltar que a utilização de qualquer ferramenta biotecnológica é um desafio à parte, pois, além de possuir um genoma grande e complexo, existe uma escassez de dados genômicos quando se pretende englobar outras variedades de importância. Somado a isso, as variedades com maior marketshare costumam ter baixa eficiência de transformação genética, e as técnicas de triagem para seleção das plantas editadas ainda apresentam limitações para adoção rotineira em programas de melhoramento.

Entretanto, a equipe da Embrapa Agroenergia conseguiu realizar um grande feito, pois, ao identificar bons genes-alvos, conseguiu delinear uma estratégia de silenciamento baseado em RNP (Ribonucleoprotein) - que não permite incorporação de DNA do complexo Cas/guia no genoma do organismo-alvo -, para selecionar as plantas editadas que foram consideradas não transgênicas pela CTNBio. Assim, desenvolvemos uma estratégia reproduzível para geração de plantas editadas de cana-de-açúcar que pode ser facilmente aplicada a outras variedades de importância ao setor sucroenergético. Uma grande vantagem do emprego dessa ferramenta é que o açúcar de uma cana-de-açúcar editada pode ser normalmente exportado por não ser considerado transgênico e, assim, alavancar ainda mais o setor com novas características de interesse.

Apesar de a transgenia ainda continuar sendo uma importante estratégia para solução de problemas na agricultura e agregação de valor, a edição genômica feita com técnicas como CRISPR/Cas permite a manipulação do DNA de forma muito mais precisa, rápida e econômica quando comparada à transgenia. Isso tem permitido "democratizar" o uso da biotecnologia na agricultura, não somente do ponto de vista de mais empresas e instituições participando do desenvolvimento de produtos que chegam ao mercado, mas também permitindo que mais espécies de interesse sejam beneficiadas na solução de problemas agronômicos e de agregação de valor.

O início da era da edição genômica se inicia com uma pesquisa 100% brasileira com a cana-de-açúcar, mas as pesquisas, no Brasil e no restante do mundo, apontam para um futuro de rápida adoção dessa técnica em todas as culturas. Os organismos editados são considerados seguros para a saúde humana e para o meio ambiente, da mesma forma que os organismos utilizados no melhoramento clássico.

Dando continuidade aos projetos já iniciados na Embrapa, ainda em 2022, a empresa também deverá obter aprovação das primeiras cultivares de soja editadas com redução de fatores antinutricionais e, em breve, outras novas variedades/cultivares editadas de cana-de-açúcar, milho, soja e feijão para tolerância à seca. A edição genômica apresenta inúmeras possibilidades de aplicação, e a adoção dessa estratégia pela Embrapa representa um grande marco e, certamente, trará contribuições relevantes para o crescimento sustentável da agricultura no Brasil.

*Hugo Bruno Correa Molinari - Pesquisador da Embrapa Agroenergia

 

Os artigos assinados são de inteira responsabilidade de seus autores. As opiniões neles emitidas não exprimem, necessariamente, o ponto de vista do Grupo IDEA.O nosso papel é apenas a veiculação do conteúdo.

 

Fonte: Revista Opiniões

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