ANÁLISE - AÇÚCAR, PETRÓLEO E FARINHAS - POR ARNALDO LUIZ CORRÊA
O mercado futuro de açúcar em NY sofreu uma semana de grande volatilidade. Um observador mais atento notou que toda vez que as cotações do vencimento maio/22 se aproximavam dos 20 centavos de dólar por libra-peso, surgia uma forte onda de vendas que pressionava o mercado em direção novamente aos 19 centavos, onde ele parece querer pertencer.
A pressão de venda veio em parte das fixações do Brasil, mas certamente foi acompanhada por outras origens que aproveitaram os bons níveis de preço para travar sua rentabilidade, “a Índia é uma delas”, como disse um calejado trader.
Aliás, como terceiro maior consumidor de energia do planeta, a Índia importa mais de 80% do petróleo que consome. Esse período de turbulência na Europa de Leste elevou os gastos do país na importação e realçou sua vulnerabilidade energética preocupando o governo quanto a um eventual choque do petróleo. Evidentemente que a Índia vai procurar envidar esforços para acelerar a produção de etanol.
Como disse um executivo do mercado de etanol, a guerra da Rússia escancarou a fragilidade dos países e revelou a necessidade de uma reordenação da matriz energética no mundo. O etanol certamente vai ganhar destaque nesse rearranjo e o Brasil tem área e condições de crescer de maneira sustentável se houver pesado investimento no parque industrial e a imperiosa segurança jurídica para os investidores. Essa última é nosso calcanhar de Aquiles.
É muito cedo para dizer para onde vamos daqui. Petróleo, grãos, trigo e Putin são componentes instáveis numa equação de múltiplas incógnitas. O que parece ser consensual, pelo menos, é o retorno da inflação em nível mundial, pressionando os Bancos Centrais e elevarem os juros e deixando um flanco aberto para a estagflação (baixo crescimento, ou até mesmo recessão combinado com taxa de juros altas).
Especificamente para as commodities, a elevação do preço do petróleo – que em um mês subiu 19% e no acumulado do ano está rondando os 45% vai acarretar em aumento no frete marítimo e na composição do basis. Isto é, como os importadores de commodities vão pagar um frete mais caro para receber os produtos no destino esse adicional vai ter que ser compensado com o aumento no desconto que eles se propõem a oferecer aos vendedores. A menos que haja falta do produto.
Em mercados com escassez, o importador engole seco e paga o frete, pois se não fizer assim fica sem o produto. Mas, em mercados cujo balanço da oferta e demanda mundial é equilibrado, que é o caso do açúcar, são os vendedores (usinas) que acabam pagando a conta. No entanto, as usinas já estão fixadas em 76.75% da safra 22/23 (veja abaixo), o que pode parecer – pelo menos a princípio – que esse ônus fica com os compradores (tradings, refinarias, importadores)
Tudo indica que o mercado de açúcar tende a se mover para o custo e carrego, consistindo em pressão maior nos vencimentos mais curtos fazendo com que estes fiquem mais baratos do que os vencimentos seguintes. Explicando melhor: juros altos inibem formação de estoques, inibem o consumo, assim os compradores tendem a postergar suas compras e os vendedores são forçados a dar descontos maiores para se livrar da mercadoria. Se a gente pensava que 2022 ia ser mais tranquilo que 2021, é melhor pensar de novo.
Falando sobre fixação das usinas, apuramos que em fevereiro 3.25 milhões de toneladas de açúcar foram fixadas pelas usinas ao preço médio de R$ 2,176 por tonelada FOB Santos. A bolsa de NY negociou 3.2 milhões de contratos futuros de açúcar durante o mês, 42% acima do volume do mês anterior e 30% acima da média mensal dos últimos doze meses. O valor médio acumulado de fixação na safra 22/23 é de 16.90 centavos de dólar por libra-peso, sem prêmio de polarização, equivalentes a R$ 2,178 por tonelada FOB Santos, ou R$ 0,9479 por libra-peso, ambas incluindo o prêmio de polarização.
Não dá para deixar de comentar a lambança promovida pelo governo federal. O presidente se empenhou, mas não conseguiu. Mas, nada garante que ele não vá tentar de novo. É o vale tudo para tentar a reeleição e nada como lançar mão de um recurso inquestionavelmente ineficiente e várias vezes testado pela imensa maioria dos populistas ignaros que o antecederam: o congelamento do preço dos combustíveis. É um total contrassenso para quem se elegeu sob a égide do liberalismo.
Quem tem mais de 40 anos e já assistiu a essa ópera bufa antes, sabe que tal expediente nunca funcionou no País sem que provocasse desabastecimento, desarranjo na cadeia produtiva e desestímulo na produção e expansão da indústria afetada por esse recurso abjeto, além de trazer excepcional insegurança jurídica àqueles que aqui cogitam investir.
Cada vez que um governante opta por usar congelamento de preços para agradar setores da sociedade (leia-se eleitores em ano de eleições) ele passa o seguinte recado para os potenciais investidores, aquela gente horrível que quer investir em novas refinarias, por exemplo: “não venham colocar seu dinheiro aqui, pois eu mudo as regras quando melhor me aprouver”. E não apenas isso, ele distorce o preço justo do hidratado e prejudica o planejamento das usinas que perdem a referência do valor do produto. Um desastre.
Ouviu-se durante a semana nas conversas entre executivos profundamente irritados com o assunto que – se implementado fosse – o congelamento poderia durar até três meses. Pelos nossos cálculos preliminares, uma ação desastrosa como essa traria uma perda na receita das usinas de R$ 4 bilhões, apenas com o hidratado. Não custa lembrar que quando o etanol bateu R$ 4,5600 o litro em outubro, houve movimentação dentro do governo (vinda sabe-se lá de onde, ironia minha) para que se diminuísse o percentual de etanol na mistura com a gasolina. O lobby contra o setor é bem eficiente. E, quando o setor abaixa a cabeça para não confrontar o governo diante de suas peripécias populistas, paga a conta. Mas, não paga sozinho.
A conta da diferença entre o preço que a Petrobras paga pelo combustível importado e o preço menor que ela repassa às refinarias será bancada pelo Tesouro. E o dinheiro do Tesouro é aquele dos cidadãos pagadores de impostos. A estatal brasileira do petróleo, por conta dessa política, pode se colocar em risco de ser novamente processada (como no Petrolão) pela SEC (Comissão de Valores Mobiliários dos Estados Unidos), agência independente que protege e regula o mercado acionário americano. Se a empresa for obrigada a ressarcir (como no Petrolão) se comprovada gestão temerária e danos causados aos acionistas. Adivinha quem vai pagar a conta? Nós, os contribuintes.
Essa ideia obtusa nivela o atual presidente ao outro postulante, aquele que sempre tratou a Petrobras como se fosse a casa da sogra, mas também tropeça no raciocínio lógico remetendo-nos à sapiência daquela inolvidável presidente, nossa pensadora mais estulta, de cujos arroubos intervencionistas o atual presidente pareceu se espelhar. Não existe maior prova de insanidade do que querer fazer sempre a mesma coisa esperando que o resultado seja diferente. Dessa forma, o supremo mandatário engrossa a horda de parvos que já ocuparam a cadeira presidencial. No fundo, são todos farinhas do mesmo saco.
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Fonte: Archer Consulting