USINAS DECIDEM ‘SEGURAR’ FIXAÇÃO DE PREÇOS DE AÇÚCAR PARA 2022/23
Poucas vezes na última década os preços do açúcar estiveram em patamar tão elevado quanto nos últimos meses. No entanto, essa condição não tem sido suficiente para que as usinas sucroalcooleiras do Brasil avancem de forma significativa na fixação dos valores de exportação do produto que começarão a produzir e exportar na safra que começa daqui dois meses (2022/23).
Em seu levantamento mais recente, a Archer Consulting estimou que, até o fim de dezembro passado, 52,5% do açúcar a ser exportado na próxima temporada estava com preços travados, com valor médio de R$ 2.143 a tonelada - a projeção parte do princípio de que serão embarcadas 25 milhões de toneladas. Esse nível de fixação já era menor que o registrado em dezembro de 2020, quando 69% do açúcar a ser exportado na safra seguinte (2021/22) estava com preços contratados - e por um valor médio inferior, de R$ 1.589 a tonelada.
A justificativa para a aparente cautela passam por um otimismo com o ciclo das commodities em geral e do açúcar em particular, pelas incertezas sobre a próxima safra brasileira e até pelo “trauma” causado pela recente elevação dos custos, que mordeu a margem de quem havia se antecipado no hedge da safra passada.
No mês passado, o ritmo de fixações de preço avançou pouco. Arnaldo Corrêa, sócio da Archer, estima que cerca de 60% das exportações da próxima temporada estejam com preços travados, parcela ainda bem inferior à registrada há mais de um ano. A trading Czarnikow, que também estima o nível de fixações com base em seu grupo de clientes, afirma que pouco mais de 60% do açúcar está hedgeado, um avanço de 3 pontos percentuais em um mês. Mais de um ano atrás, a fatia era de mais de 75%.
O leve recuo dos preços internacionais do açúcar em janeiro e a valorização do real ajudaram a frear o apetite pelo hedge no último mês, segundo Luiz Gustavo Junqueira Figueiredo, diretor comercial da Usina Alta Mogiana. “As usinas costumam vender quando a trajetória do preço está subindo e são mais reticentes num movimento de baixa”, diz.
Apesar da recente desvalorização do açúcar, poucas vezes na última década seus preços estiveram tão altos: em apenas 1% das vezes o valor do açúcar em reais esteve mais elevado do que agora, de acordo com cálculos da consultoria FG/A, que desconta tendências e ganhos produtivos da série histórica. Para Juliano Merlotto, sócio da consultoria, não faz sentido as usinas não estarem avançando no hedge. “Se as usinas avançaram lá atrás, por que não o fazem agora? ”, questiona.
Algumas usinas acreditam que o início da moagem de cana vai atrasar na próxima safra, o que, se caso se confirme, provocará um aperto imediato na oferta e sustentará os preços, acredita Gustavo Segantini, diretor comercial da francesa Tereos. “Se chover, atrapalha o início da moagem, e se não chover, as usinas podem decidir esperar para o canavial desenvolver mais”, diz. A expectativa no mercado é que as atividades começarão com mais força entre a segunda metade de abril e o início de maio, um mês depois do habitual.
Ainda que as chuvas surpreendam e turbinem a produtividade, há receio com a área a ser colhida. “O que aconteceu em 2021, com seca, geadas e queimadas, danificou o solo. Esperamos que precise aumentar [o plantio para] renovação”, afirma Lívea Coda, analista da consultoria hEDGEpoint. Figueiredo, da Alta Mogiana, lembra ainda que a cana continua perdendo área para a soja.
Outro motivo para a cautela é a perspectiva para o petróleo. Em meio a projeções de que o fóssil passe de US$ 100 o barril, as usinas podem estar querendo deixar uma parcela maior de sua cana descomprometida para migrar para o etanol caso ele recupere sua competitividade no Brasil, avalia Catarina Junqueira, analista da Czarnikow.
O câmbio é outro bode na sala, e as apostas para o rumo do dólar são tão variadas quanto a exposição que as usinas têm de sua dívida à moeda americana. Um usineiro do Sudeste, que preferiu não ser identificado, acredita que o dólar ainda pode cair a R$ 5. Na Tereos, o cenário atual é de que o câmbio oscilará entre R$ 5,20 e R$ 5,70.
Fonte - Valor Econômico