Plano de Biden inspira defensores do híbrido no Brasil
Este pode ser um dos melhores momentos da carreira do argentino Pablo Di Si, que acaba de assumir o comando da Volkswagen na América do Norte. Ele chega aos Estados Unidos no momento em que o governo Joe Biden lança o plano de subsídios para políticas industriais verdes, com incentivos para veículos elétricos mais acessíveis e fabricados na América do Norte. Ao mesmo tempo, a Volks começou a produzir, no Tenessee, carros que atendem a essas novas regras.
O executivo está otimista com as perspectivas da Volks no mercado americano, onde estão previstos 25 novos modelos elétricos do grupo até 2030. E apoia a Lei de redução da inflação daquele país, que prevê US$ 369 bilhões em recursos públicos para políticas climáticas e energéticas. Para o Brasil, entretanto, onde trabalhou nos últimos cinco anos como presidente da Volks na América Latina, Di Si continua a defender o automóvel híbrido a etanol. Para ele, o Brasil não precisa, ainda, embarcar na onda do carro 100% elétrico porque tem o derivado da cana como aliado na descarbonização.
As variadas soluções para a descarbonização criam questionamentos de como a indústria vai lidar com essa diversidade
Quase três meses depois de assumir a nova função nos EUA, Di Si estará novamente no Brasil esta semana para participar de um congresso. Apesar de não ser engenheiro, ele foi convidado para presidir a 29ª edição do evento, organizado pela Sociedade de Engenharia Automotiva (SAE), que começa nesta quinta-feira (24) em São Paulo. Seu discurso será otimista. "Quero dizer às novas gerações que elas têm a sorte de viver esse momento de transformação, de aprender novas tecnologias e uso de materiais que nunca havíamos experimentado na história do automóvel".
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E a quem lhe perguntar se o futuro da indústria automobilística instalada no Brasil e de sua engenharia estão ameaçados pelo advento do carro elétrico, Di Si terá uma coleção de argumentos.
A começar pelo que ele mesmo tem testemunhado nos EUA. A nova lei americana de incentivo à produção local poderá, destaca, servir de referência a países interessados em desenvolver políticas industriais. A partir de 2023, a concessão de bônus de U$ 7,5 mil até aqui concedido na compra de qualquer tipo de carro elétrico, obedecerá novos critérios.
O que provocou mais polêmica entre marcas importadas é o que restringe o benefício a veículos produzidos nos Estados Unidos, Canadá e México. O preço também será limitado: entre US$ 55 mil (no caso do carro de passeio) e US$ 80 mil (utilitários esportivos). Além disso, o rendimento mensal do comprador também não pode ultrapassar um limite, que varia entre US$ 155 mil e US$ 350 mil, dependendo se o veículo é para uma pessoa ou família. Estão incluídos os híbridos, afirma Di Si. Mas não está ainda clara a parte do decreto que tratará da origem dos materiais e das baterias.
"Concordo plenamente com uma estratégia como essa, que define regras claramente e permite que uma indústria com novas características fique na região por 30, 40 anos ou mais", destaca. Segundo o executivo, os EUA recebem hoje mega investimentos tanto para desenvolver baterias, como aprimorá-las para aumentar sua autonomia e diminuir a quantidade de materiais utilizados. "Tem muita gente inteligente e muito dinheiro envolvidos", afirma. Segundo ele, não será fácil atender a todas as exigências da nova lei. Mas a proteção à localização, que sempre defendeu, o entusiasma.
E o que tudo isso tem a ver com o Brasil? Serve de inspiração, segundo Di Si, para o entendimento de que cada parte do planeta tem que aproveitar seu potencial e valorizar seu legado. Por força de uma rígida legislação de descarbonização, a Europa já optou pelos carros 100% elétricos. Os EUA estimulam os investimentos que chegam à região que tem um dos maiores mercados do mundo.
"O Brasil tem uma das engenharias mais bem preparadas do mundo, com competência para fazer design desde o parafuso. Não é que o país não tem o conhecimento do carro elétrico. É que as tecnologias têm de ser complementares, com cada um usando o que tem de melhor", destaca.
Para ele, o etanol já mostrou que pode ser usado tanto num carro flex (cujo tanque também aceita gasolina) como num híbrido, que funciona com dois motores - um a combustão alimenta um elétrico - e também já revelou grande potencial no futuro uso do hidrogênio em veículos. No caso, uma célula a combustível poderá ser alimentada pelo hidrogênio contido no etanol.
"Aqui (nos EUA) não tem etanol. Já que o Brasil tem esse conhecimento e as universidades, os estudos têm que ser feitos aí", afirma Di Si. "Se na Califórnia já estamos usando painéis solares para ter 100% de energia renovável, no Brasil temos o sol, o vento e o etanol", completa.
As variadas soluções para a descarbonização podem levar alguns a questionar como a indústria automobilística vai lidar com essa diversidade. Trata-se de um setor global que tem buscado reduzir o número de plataformas e motorizações para ganhar escala e reduzir custos. "Na Volks, nunca passamos tanto tempo discutindo sobre plataformas como hoje. Acredito que não teremos mais cinco ou mais; teremos menos, duas talvez. Há muitas discussões", afirma.
O executivo considera, no entanto, aceitável que operações como a do Brasil continuem a desenvolver motores a combustão para garantir renovação dos carros híbridos ao mesmo tempo em que fábricas da Europa e dos EUA começam a abandonar o motor a combustão. "O etanol já é efetivo na descarbonização quando calculamos (as emissões) do poço à roda. Acredito que será um excelente passo para os próximos dez anos de transição do setor no mundo", destaca.
Para o executivo, entramos na fase que marcará o antes e o depois dessa indústria. E, com mais força nos próximos quatro anos, "o mundo olhará a emissão de CO2 e o meio ambiente como o norte para o desenvolvimento de novas tecnologias".
Por Valor Econômico